O Globo, n. 32551, 20/09/2022. Política, p. 6

Uso eleitoral de velório impressiona britânicos

Pablo Uchoa


A passagem de Jair Bolsonaro (PL) por Londres, em visita para o funeral da rainha Elizabeth II, foi marcada pelo uso eleitoral da viagem, por hostilidades a jornalistas que cobriam o tour presidencial e pela repercussão entre os ingleses ante a exploração política dos eventos. Além de momentos de truculência do próprio chefe do Executivo direcionados a jornalistas, profissionais chegaram a ser xingados ou empurrados por apoiadores ao tentar se aproximar de Bolsonaro.

Jornais britânicos repercutiram a ida do presidente à capital inglesa, chamando a atenção pelo uso eleitoral da viagem do brasileiro. No domingo, o presidente usou a sacada da Embaixada do Brasil na cidade para discursar a seus apoiadores. Ontem, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o uso de imagens do périplo como chefe de Estado na propaganda eleitoral de Bolsonaro.

A agência de notícias France Press, por exemplo, disse que o presidente fez um “comício improvisado em uma Londres em luto”, mesmo tom usado pelo jornal The Guardian, que se referiu à visita como “palanque eleitoral”.

Ontem, o ministro Benedito Gonçalves, do TSE, proibiu a campanha de Bolsonaro de usar imagens do discurso em Londres, sob a justificativa de que o mandatário potencialmente cometeu abuso de poder econômico e político. A decisão atendeu a um pedido feito pela senadora e candidata à Presidência Soraya Thronicke (União).

Antes das declarações do presidente na sacada do embaixador no domingo, uma equipe da BBC News Brasil foi cercada por bolsonaristas liderados pelo youtuber Rodrigo Nascimento, enquanto faziam entrevistas com os presentes. Foi preciso que uma policial ajudasse a escoltar os jornalistas para longe do grupo de apoiadores do presidente, que gritavam palavras de ordem como “imprensa lixo” e “vai para Cuba”.

Itamaraty minimiza

O mesmo grupo de bolsonaristas tentou impedir o enviado do jornal Folha de S.Paulo de se aproximar da residência oficial. Imagens feitas no local mostram um grupo de apoiadores rodeando e xingando o jornalista, enquanto uma mulher com um crucifixo na mão apontava a cruz para o repórter.

O GLOBO entrou em contato ontem com o Itamaraty e fez questionamentos em relação à segurança da imprensa no local. O órgão respondeu que o clima estava “bastante tranquilo, praticamente sem público e com segurança adequada”.

Antes de partir para participar da despedida à monarca, foi o próprio Bolsonaro quem se desentendeu com os jornalistas ao ser questionado sobre o uso eleitoral da sua viagem feita em caráter oficial, como chefe de Estado.

—Você acha que eu vim aqui fazer política? Pelo amor de Deus! Não vou te responder, não — retrucou o presidente.

Após os compromissos, Bolsonaro fez uma breve parada na residência oficial antes de sair para pegar o voo rumo a Nova York, onde participa hoje da Assembleia da ONU. Novamente, jornalistas que estavam no local foram hostilizados pelo grupo de bolsonaristas, que filmava os repórteres, chamando-os de “fake news”.

A imprensa, porém, não foi o único alvo. No domingo, dezenas de pessoas intimidaram um grupo de ambientalistas da organização Brazil Matters, que denunciavam as políticas do governo Bolsonaro para a Amazônia. A polícia britânica fez um cordão para evitar que os manifestantes, xingados pelos bolsonaristas, fossem agredidos. Entre os participantes do protesto, estava Dominique Davies, sobrinha do jornalista britânico Dom Phillips, assassinado na Amazônia.

Ontem os ânimos se acirraram quando um manifestante brasileiro que se identificou como Hélio da Cruz dos Santos gritou bordões questionando políticas do governo Bolsonaro, do lado de fora da residência oficial. Ele foi chamado de “bobalhão” pelo pastor Silas Malafaia, que acompanhou o presidente na viagem, e, também foi xingado por apoiadores do mandatário. Os bolsonaristas chegaram a cruzar a calçada em direção ao crítico do presidente, aumentando o bate-boca. Neste momento, um britânico interveio, acreditando que Santos seria agredido.

— Vocês estão na Inglaterra, demonstrem respeito, é o dia do funeral da rainha — gritou o britânico, que se identificou como Chris Harvey, após bolsonaristas questionarem o que ele fazia ali e mandá-lo calar a boca.

A residência oficial fica a poucos metros do Hyde Park, onde uma multidão se reuniu para assistir ao funeral de Elizabeth II em telões.

— Acabei de assistir a rainha passar dentro de um caixão a caminho de Windsor — disse Harveye.

— Esse é um dia, o único dia, em que realmente deveríamos demonstrar respeito com a rainha. Transformar em um ato político não é respeitoso.