Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Internacional, p. A12

Taxa de mortalidade real da covid-19 é ainda um mistério

Camilla Hodgson


O número por trás de tanta angústia quanto ao coronavírus está em 4,8%. Essa é a proporção de pessoas, até o final da tarde de ontem, que morreram no mundo após terem sido diagnosticadas com o vírus: 37.578 de 781.441 que testaram positivo para a covid-19.

Em comparação, a taxa de mortalidade de uma gripe sazonal é de cerca de 0,1% e a da pneumonia nos países de alta renda, de 0,2%. Mas essa taxa de 4,7% não só é muito variável, mas também é pouco confiável, tanto para governos, que tentam calibrar as medidas de reação contra o vírus, quanto para cidadãos, que tentam avaliar até que ponto devem se preocupar.

A proporção de pessoas que morreu da doença varia de forma gritante de país a país. As incertezas são tantas, inclusive quanto ao número real de infecções, que é quase impossível extrair conclusões válidas sobre a taxa de mortalidade, alertam pesquisadores.

Mike Ryan, diretor executivo do programa de emergências de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), destaca quatro fatores que podem explicar em parte as diferentes taxas de mortalidade: quem contrai o vírus, que estágio a epidemia atingiu em cada país, quantos testes o país realiza e quão bem cada sistema de saúde vem lidando com a pandemia.

Mas há também outras fontes de incerteza, entre as quais o número de vítimas do coronavírus que teriam morrido de outras causas se a pandemia não tivesse ocorrido. Em anos normais, cerca de 56 milhões de pessoas morrem no mundo - cerca de 153 mil por dia.

Possivelmente, a maior incerteza sobre a covid-19 é o número real de pessoas infectada. Sem essa informação, não é possível calcular uma taxa de mortalidade precisa.

Muitas pessoas infectadas são assintomáticas ou exibem sintomas leves. Dessa forma, continuarão ausentes dos dados, a menos que façam o teste. Como os recursos são limitados e cada país realiza quantidades diferentes de testes, o tamanho da lacuna de informações varia de lugar a lugar.

John Ioannidis, professor de epidemiologia da Universidade Stanford, considera os dados que temos sobre a pandemia como “totalmente duvidosos”. “Não sabemos se estamos deixando de tomar conhecimento das infecções por um fator de 3 ou de 300”, escreveu na semana passada. Se estiverem sobrevivendo milhares de pessoas a mais do que sabemos, então, a atual estimativa da taxa de mortalidade é alta demais - talvez por uma grande margem.

Pesquisadores da Universidade de Hong Kong estimaram que, em Wuhan, onde a pandemia começou, a provável taxa de mortalidade foi de 1,4% - bem abaixo da estimativa anterior, de 4,5%, que foi calculada usando estatísticas oficiais dos casos e mortes na região.

No Reino Unido, onde o governo tem sido criticado pela reação inicial lenta, só os casos mais sérios vêm sendo testados. No total 1.408 pessoas morreram dos 22.141 casos confirmados, o que dá uma taxa de mortalidade de 6,35%.

Rosalind Smyth, professora de saúde infantil na UCL, disse que os dados oficiais do coronavírus no Reino Unido são “tão desorientadores que não deveriam ser usados”. O número real de pessoas infectadas, numa estimativa conservadora, “provavelmente é cinco a dez vezes maior”, disse.

Muito depende de quem é infectado, idade e suas condições básicas de saúde. É bastante sabido que os mais velhos têm mais probabilidade de ficar em estado grave e morrer. Mas, Robin May, professor de doenças infecciosas na Universidade de Birmingham, destaca que “há pessoas de 70 anos que estão presas a cadeiras de rodas e há outros que correm quilômetros a cada semana.”

A OMS também alertou que os mais jovens não são “invencíveis” e precisam levar o vírus a sério.

A Itália tem sido o país mais afetado na Europa, com 11.591 mortes e 101.739 casos, uma amarga taxa de mortalidade de 11,4%. A média de idade dos italianos que testaram positivo é de 62 anos, e a vasta maioria dos que morreram tinha 60 anos ou mais.

“A Itália é o exemplo de pessoas saudáveis vivendo a velhice”, disse Ryan. “Infelizmente, neste caso, ter uma população mais velha pode significar que a taxa de fatalidade seja mais alta em razão da distribuição etária da população.”

Outro fator, porém, é que cada país registra os casos e as mortes de forma diferente. Na Itália, a covid-19 é apontada como causa da morte mesmo se um paciente já estava doente e morreu de uma combinação de enfermidades.

“Apenas 12% dos certificados de morte mostram uma causalidade direta do coronavírus”, disse um assessor do ministro da Saúde da Itália na semana passada.

O governo central espanhol simplesmente aponta quantas pessoas com casos confirmados de coronavírus morreram e não dá informações adicionais sobre qualquer outra condição médica.

Na Coreia do Sul, que tem uma população mais jovem do que a Itália, cerca de 35% dos casos confirmados eram de pessoas com 30 anos ou menos: 158 pessoas morreram até agora, de 9.661 infectados, uma taxa de mortalidade de 1,6%. Na Alemanha, que registrou 645 mortes, a maioria das infecções se deu em pessoas de 15 a 59 anos. Com base nos dados disponíveis, a taxa de mortalidade no país é de cerca de 0,96%, mas isso também pode ser reflexo da abordagem ativa, de testar pessoas com sintomas mais leves.

No Reino Unido, cerca de 150 mil pessoas morrem a cada ano entre janeiro e março. Até agora, a grande maioria dos que morreram de covid-19 no país tinha 70 anos ou mais ou possuía condições de saúde graves pré-existentes.

O que não está claro é quantas dessas mortes teriam acontecido de qualquer forma se os pacientes não tivessem contraído a covid-19.

Na semana passada, no Parlamento, o professor Neil Ferguson, diretor do Centro de Análise de Doenças Infecciosas Globais MRC, do Imperial College, disse ainda não estar claro quantas “mortes adicionais” causadas pelo coronavírus haveria no Reino Unido. Disse, porém, que a proporção de vítimas da covid-19 que teria morrido de qualquer forma poderia ser de até a “metade ou dois terços”.

O momento do ciclo epidêmico em que um país começa a preparar o seu sistema de saúde é crucial.

Se o sistema de saúde fica saturado, como aconteceu na Itália e em partes da China, o padrão de tratamento que os pacientes recebem provavelmente cairá. Isso, por sua vez, provavelmente aumentará a taxa de mortalidade.

Num hospital na Lombardia, norte da Itália, a escassez de equipamentos levou funcionários a usar máscaras de mergulho para ajudar a prender fontes de oxigênio aos pacientes. (Colaboraram Daniel Dombey, de Madri, e Miles Johnson, de Roma) / Financial Times