O Globo, n. 32551, 20/09/2022. Mundo, p. 18

O adeus a Elizabeth II



“Elizabeth II 1926-2022”. A inscrição simples, no túmulo da rainha Elizabeth II no Castelo de Windsor, não é capaz de dar a dimensão real do longo dia de cerimônias e despedidas solenes que pararam o Reino Unido, fizeram centenas de milhares de pessoas se aglomerarem nas ruas de Londres e levaram uma centena de chefes de Estado e governo à capital britânica para o adeus final à soberana que reinou por sete décadas — o mais longo da História de seu país.

Foram 11 dias de despedidas até que, ontem, o corpo de Elizabeth II, morta aos 96 anos, foi finalmente sepultado junto ao de seu marido, o príncipe Philip, duque de Edimburgo, na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, em uma cerimônia privada reservada aos familiares mais próximos, a única do dia não televisionada. Elizabeth II é agora a 11ª monarca britânica a ser enterrada na capela, ao lado de seu pai, o rei George VI; sua mãe, a rainha consorte Elizabeth; e sua irmã, a princesa Margaret.

Reis, Presidentes e premiers

O longo dia de cortejos e cerimônias foi marcado por um clima solene e de tristeza e começou bem cedo, na Abadia de Westminster. Ali começaram os últimos atos do funeral de Estado de Elizabeth II, que reuniram na igreja quase dois mil participantes, incluindo cerca de cem governantes e monarcas de todo o mundo, como os presidentes dos EUA, Joe Biden, e do Brasil, Jair Bolsonaro, além do rei da Espanha, Felipe VI, e do imperador do Japão, Naruhito, entre várias figuras da realeza europeia. Os seis primeiros-ministros britânicos vivos —John Major, Tony Blair, Gordon Brown, David Cameron, Theresa May e Boris Johnson — estavam presentes.

O velório público no Parlamento, que teve filas de mais de oito quilômetros, foi encerrado após quatro dias às 6h34, e o caixão foi levado à abadia, onde os sinos tocaram 96 vezes, um para cada ano de vida da soberana. Na igreja, a premier Liz Truss — empossada pela rainha dois dias antes de sua morte — leu um trecho do Evangelho, e o sermão foi realizado pelo arcebispo da Cantuária, Justin Welby, que exaltou a vida da soberana e sua liderança. A igreja é a mesma onde a monarca se casou, em 1947, e foi coroada, cinco anos depois.

— Sua majestade declarou celebremente, em uma transmissão no seu aniversário de 21 anos, que sua vida inteira seria dedicada a servir à nação e à Comunidade Britânica — disse Welby, autoridade religiosa máxima da Igreja Anglicana. — Raramente uma promessa foi tão bem cumprida.

Na parte final da cerimônia, todo o país respeitou os dois minutos de silêncio nas ruas, parques e pubs, onde muitos acompanharam a cerimônia pela TV —125 cinemas abriram as portas para transmitir o funeral.

O caixão deixou, então, a Abadia de Westminster em procissão pelas ruas de Londres em uma carreta de armas, passando pelo Arco de Wellington, perto do Hyde Park, sua última parada na capital antes de ser conduzido a Windsor, onde ela seria sepultada. O cortejo foi seguido a pé pelo rei Charles III e seus irmãos Anne, Andrew e Edward, e também pelos príncipes William e Harry.

Tiros foram disparados a cada minuto em homenagem à monarca no Hyde Parque pela Guarda do Rei e pela cavalaria real, enquanto o emblemático sino do Big Ben tocou várias vezes. Uma enorme multidão acompanhou a cerimônia das calçadas, intercalando silêncio e aplausos. A equipe do Palácio de Buckingham, onde a monarca morou por 67 anos, também foi até o portão prestar suas últimas homenagens.

Cerca de uma hora depois, o carro fúnebre chegou ao Castelo de Windsor, coberto com as flores jogadas pela multidão durante o trajeto. Ali, terminou simbolicamente a “segunda era elizabetana” —a primeira, sob Elizabeth I, durou de 1558 a 1603 — quando o barão Andrew Parker, camareiro-mor e mais alto funcionário da Casa Real, quebrou o bastão que simboliza seu serviço à governante, num gesto que marca o fim do reinado.

Charles III emocionado

Antes, o joalheiro real removeu a coroa imperial, o orbe (globo terrestre) e o cetro da rainha, apoiados em cima do caixão. As joias foram postas no altar pelo decano de Windsor, representando a passagem de poder.

Uma nova cerimônia religiosa foi liderada pelo decano David Conner, que começou com uma oração em homenagem à falecida monarca. A fé de Elizabeth II, disse ele, “era descomplicada, mas profundamente cristã”:

— Em meio ao nosso mundo em mudança rápida e frequentemente conturbado, a presença digna e calma [da rainha] nos deu confiança para enfrentar o futuro, como ela fazia, com coragem e esperança —disse o decano.

Do lado de dentro da capela, câmeras filmaram um emocionado rei Charles III, que mordia os lábios enquanto toda a igreja cantava “God Save the King”.

Choro de Meghan

Quem também se emocionou foi Meghan, a duquesa de Sussex, mulher do príncipe Harry, cuja relação com a família real é conturbada. Em vários momentos do dia, a duquesa foi vista enxugando as lágrimas. Apesar dos atritos com a princesa Kate, o príncipe William e o rei Charles III, a ex-atriz americana sempre fez elogios a Elizabeth II.

A princesa Charlotte, de apenas 7 anos, também foi fotografada chorando durante o funeral da bisavó, ao lado da mãe, a princesa Kate, e do irmão mais velho, o príncipe George, de 9 anos. O caçula, Louis, de 4 anos, não participou da cerimônia.

No fim do dia, após o sepultamento privado, um comunicado da família real britânica encerrava oficialmente o longo adeus: “A rainha foi enterrada junto do duque de Edimburgo, na capela do memorial do rei George VI, em uma cerimônia privada reservada aos familiares mais próximos”, anunciou a família real nas redes sociais.

A conta oficial dos príncipes de Gales, William e Kate, também postou no Twitter uma foto do caixão da Elizabeth II, com a mensagem: “Adeus a uma rainha, uma mãe, uma avó e uma bisavó.”