Correio Braziliense, n. 21831, 24/12/2022. Política, p. 4

Perdão a PMs do caso Carandiru



O último indulto natalino do presidente Jair Bolsonaro pode beneficiar os policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru — quando 111 presos do Pavilhão 9 da Casa de Detenção, em São Paulo, foram mortos após uma rebelião, em 2 de outubro de 1992.

Publicado no Diário Oficial da União (DOU), o perdão deste ano contemplou agentes de segurança pública condenados por crime culposo, quando não há a intenção de cometer delito, e mediante ao cumprimento de um sexto da pena; e militares das Forças Armadas sentenciados em casos de excesso culposo durante atuação em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A novidade deste ano ficou para policiais condenados por crimes praticados há mais de 30 anos e que não eram considerados hediondos à época — caso do episódio do Carandiru.

Em 2018, antes de se eleger, Bolsonaro afirmou em rede social que não concederia indulto a criminosos. “Pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos nossos principais compromissos de campanha. Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”, escreveu, na ocasião. No entanto, durante o mandato, publicou o ato nos moldes deste ano.

Para o advogado dos PMs do caso Carandiru, Eliezer Pereira Martins, os condenados se enquadram “perfeitamente” em um dos artigos do texto publicado no DOU. A defesa disse que deve entrar, ainda hoje, no plantão judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo, com um pedido de declaração de extinção de punibilidade dos réus — ou seja, para que os policiais não possam ser punidos pelas condutas ligadas ao massacre.

No Ministério Público de São Paulo, a avaliação também é de que o indulto de Bolsonaro, nos termos em que foi publicado, beneficia os 74 PMs condenados pelo Tribunal do Júri a penas que vão de 48 anos a 624 anos de prisão pelo assassinato dos presos. Nos bastidores da Promotoria, comenta-se que um dos artigos do decreto de Bolsonaro parece ter sido feito para o caso dos condenados pelo Carandiru.

Validade

Por outro lado, também entre os promotores, discute-se que o texto assinado por Bolsonaro pode ser questionado do ponto de vista constitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF) já discutiu validade de indulto natalino presidencial — o editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017.

O trecho do decreto de Bolsonaro que, segundo a defesa dos PMs, se enquadra perfeitamente às condenações pelo massacre do Carandiru registra: “Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de 30 anos, contados da data de publicação deste decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”. Ainda de acordo com o decreto, o indulto se aplica “às pessoas que, no momento do fato, integravam os órgãos de segurança pública, na qualidade de agentes públicos”.

O massacre completou 30 anos em 2 de outubro deste ano, sendo abarcado pelo decreto. Além disso, o crime de homicídio, pelo qual os policiais militares foram condenados, só entrou no rol de hediondos em 1994 — ou seja, também dentro dos parâmetros do documento assinado por Bolsonaro.

A possibilidade de Bolsonaro indultar os PMs envolvidos no massacre do Carandiru já era um ponto de atenção dentro da Promotoria desde 17 de novembro, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, reconheceu o trânsito em julgado de decisões que mantiveram a sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ)  que restabeleceu as condenações dos PMs.

O certificado expedido por Barroso significa que as condenações dos PMs são definitivas, ou seja, eles não podem ser mais absolvidos. Ainda está pendente de discussão do Tribunal de Justiça de São Paulo pedido para reduzir as penas dos réus. O julgamento a respeito da dosimetria das penas foi suspenso no final de novembro, após pedido de vista do desembargador Edson Aparecido Brandão, da 4ª Câmara Criminal da Corte paulista. (Ândrea Malcher e Agência Estado)