O Globo, n. 32553, 22/09/2022. Economia, p. 19

O desafio das reformas

João Sorima Neto
Raquel Vazquez


O país precisa levar adiante a agenda reformista e o próximo governo deve priorizar a modernização tributária, defendeu o ex-presidente Michel Temer, ao participar da 36ª edição do evento “E agora, Brasil?”, na última terça-feira, em São Paulo. Em sua opinião, o fatiamento das medidas e o conceito de “simplificação tributária” podem garantir o apoio necessário à aprovação da iniciativa.

— Eu prefiro falar em simplificação tributária. As pessoas reclamam muito da burocracia tributária, há uma infinidade de portarias da área tributária, de atos normativos, que geram instabilidade no país e muita litigiosidade. Eu penso que, se lançar a tese de simplificação tributária, as pessoas aceitam — disse o ex-presidente.

Com tema “Reformas: os desafios do próximo governo”, o encontro foi promovido pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, com patrocínio do Sistema Comércio, através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas Federações. O debate voltou ao formato presencial após edições remotas durante o auge da pandemia.

Sobre como deve ser o andamento da reforma tributária, Temer lembrou que, quando foi presidente da Câmara, tentou várias vezes levar adiante a proposta, mas o fato de ela envolver estados, municípios, União e contribuinte gera dificuldades extraordinárias. Ele acredita, contudo, que o presidente eleito, com o capital político inicial, deveria considerar a tributária como a “reforma inaugural” porque o assunto “está maduro”.

Para o ex-presidente, as reformas são fundamentais para aumentar a produtividade da economia e o investimento privado. Além da simplificação tributária, ele mencionou mudanças estruturais desenhadas em seu governo (2016-2018), como a reforma trabalhista; o teto de gastos, que limita o aumento das despesas da União; a reforma do ensino médio; e a reforma da Previdência, iniciada em sua gestão e finalizada pelo atual governo do presidente Jair Bolsonaro.

— As pessoas acham que se pode resolver os problemas econômicos do país num passe de mágica. Reduzir inflação, juros. Não é assim. É preciso uma série de medidas — comentou o ex-presidente, que também citou como fundamental a reforma administrativa.

Na visão de Temer, embora o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva tenha falado que pretende revogar o teto de gastos e alguns pontos da reforma trabalhista, o petista deve assumir uma postura mais pragmática caso vença a eleição:

— O Lula tem experiência. Quando ele sentar naquela cadeira, se sentar, vai ver que uma coisa é o Brasil eleitoreiro e outra é governar. Vai pensar duas vezes.

Quanto à reforma trabalhista, Temer afirmou que as novas regras estabelecidas em 2017 não retiraram direitos dos trabalhadores e regularizaram situações que não eram tão comuns na época, como o trabalho remoto:

— O chamado teletrabalho. Nós acabamos prevendo e dando amparo trabalhista.

Revisão de certas normas

Por outro lado, disse que adaptações para atender a novas demandas, como a de entregadores por aplicativos, por exemplo, podem ser feitas e são bem-vindas.

Perguntado sobre a razão de as reformas não terem entregado o crescimento econômico esperado, o ex-presidente argumentou que, quando assumiu o país, após o impeachment de Dilma Rousseff, o PIB estava em queda e que foram as iniciativas reformistas que ajudaram a reverter a trajetória da economia. Em seguida, culpou a instabilidade política e a burocracia tributária pela redução dos investimentos das empresas brasileiras e do menor interesse de empresários estrangeiros no Brasil.

Ele acredita que ainda há ambiente favorável para modernizar a economia:

— Não acho que haja uma fadiga de reformas. Se houver, devemos combatê-la. O que sinto é que todos querem a revisão de certas normas no país — disse. — A lei não gera emprego. O que gera emprego é o desenvolvimento. Precisa trazer uma normatividade que aumente os investimentos.

A mediação do debate ficou a cargo da colunista do GLOBO Vera Magalhães e de Fernando Exman, chefe de redação da sucursal de Brasília do Valor Econômico. Antes de começar sua palestra, Temer fez questão de destacar a seriedade do trabalho de Vera. Em debate eleitoral na TV em 28 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro disse que Vera era “uma vergonha para o jornalismo”. Dias depois, a jornalista foi hostilizada pelo deputado Douglas Garcia (Republicanos) em debate de candidatos ao governo paulista:

— Quero cumprimentar e prestar o meu respeito a você como jornalista. Você faz um jornalismo sério e deve ser enaltecido por todos.

As alterações estruturais mais importantes

Previdência

A reforma nas regras da Previdência para os setores privado e público começou a ser discutida durante o governo Michel Temer. O texto foi proposto em 2016, mas não chegou a ser votado por deputados e senadores. Esse projeto, porém, permitiu amadurecer a discussão sobre o tema, o que foi considerado fundamental para a aprovação da reforma em 2019, já sob o governo Jair Bolsonaro — a proposta foi apresentada por ele ao Congresso logo depois de assumir a Presidência. A reforma é fundamental para reduzir o rombo da Previdência e equacionar desigualdades. Mudança mais ambiciosa já feita nas regras de aposentadoria do país, ela fixou idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres, mudou o cálculo dos benefícios e estipulou novos parâmetros para pensão. Quase três anos após a aprovação, as mudanças já geraram uma economia de R$ 156 bilhões aos cofres públicos.

Trabalhista

A reforma trabalhista, feita em 2017, reduziu custos e modernizou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após décadas. Entre outras mudanças, o texto regulamentou o trabalho remoto, criou o contrato intermitente (prestação de serviços com interrupções), permitiu a divisão das férias em até três períodos e acabou com o imposto sindical obrigatório. O texto garantiu, ainda, a validade jurídica dos acordos fechados entre empregado e empregador à margem da legislação (precedência do “negociado” sobre o “legislado”).

Também transferiu para o empregado reclamante na Justiça do Trabalho o custo dos honorários dos advogados, se derrotado na causa. A medida fez despencarem os processos trabalhistas. Em 2017, as varas trabalhistas receberam 2,63 milhões de novas causas. No primeiro ano de vigência das novas regras, o volume caiu para 1,73 milhão. No ano passado, foi de 1,53 milhão.

Administrativa

A mudança nas regras que regem a administração do Estado, incluindo a carreira dos servidores públicos, é defendida por especialistas como necessária para modernizar a gestão pública e reduzir desigualdades. O grande desafio é promover a eficiência no serviço público. O governo Jair Bolsonaro enviou um projeto de reforma em setembro de 2020 ao Congresso. A proposta, porém, ainda não foi analisada por Câmara e Senado. O projeto do governo não mexe com os atuais servidores. O texto prevê que parte dos novos funcionários públicos sejam contratados sem estabilidade. O benefício ficaria restrito a integrantes das chamadas carreiras típicas de Estado, como auditores fiscais e delegados da Polícia Federal — para quem ingressar nesses cargos, a estabilidade será concedida após três anos. A proposta também acaba com benefícios considerados privilégios, como licença-prêmio e progressão automática.

Tributária

Discutida há décadas no Brasil e fundamental para reduzir os custos das empresas e aumentar a produtividade do país, a reforma tributária não consegue avançar no Congresso. E ficará como um desafio para o próximo governo. A gestão Jair Bolsonaro tentou emplacar uma reforma fatiada, inicialmente com dois projetos de lei. O primeiro texto unificava o PIS e a Cofins. O outro mudava o Imposto de Renda, incluindo a tributação sobre dividendos (isentos no Brasil) e a redução de IR para empresas e pessoas físicas. Nenhuma das propostas foi aprovada pelo Congresso, em meio a uma disputa política. Tanto Câmara como Senado defendem projetos próprios de reforma, com diferentes magnitudes. O principal das propostas é a unificação dos impostos. Mas entrar em um acordo sobre como ela será feita é tão complexo quanto o próprio sistema tributário.