Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Opinião, p. A14

BC reforça o arsenal para destravar os empréstimos



Depois de ter injetado bilhões de reais no mercado financeiro sem resultado significativo na oferta de crédito como pretendia, o Banco Central (BC) voltou à carga e anunciou novas medidas. Tudo indica que um dos principais entraves para que os bancos reabram as torneiras do crédito foi afastado com o anúncio de que o Tesouro vai assumir a maior parte do risco de operações de financiamento de folha de salários de pequenas empresas. Espera-se assim que elas ganhem fôlego para os próximos dois meses, que devem ser o pior período da paradeira econômica causada pelo coronavírus.

O BC começou a abrir sua caixa de ferramentas no início da semana passada quando anunciou a liberação de depósitos compulsórios, a redução de exigências de capital e a oferta de linha de redesconto, sinalizando um aumento da liquidez de R$ 1,2 trilhão, cinco vezes mais do que foi em 2008. Naquele ano, quando as ondas de choque disseminadas pelo estouro da bolha do subprime nos Estados Unidos contagiaram o mundo todo, o BC liberou o equivalente a 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Na crise atual, o montante subiu para 16,7% do PIB.

Alguns detalhes ilustram a amplitude do pacote. Com a redução dos requerimentos de capital, os bancos passam a dispor de R$ 102 bilhões. Em compulsório sobre depósitos a prazo, são liberados mais R$ 68 bilhões, que se somam aos R$ 49 bilhões injetados uma semana antes. Mais R$ 89 bilhões virão com a flexibilização das regras prudenciais de liquidez de Basileia 3, que obrigam os bancos a manter ativos líquidos nos balanços.

Foram adotadas também algumas medidas para tentar resolver problemas do mercado de capitais, em que fundos pressionados por resgates crescentes não conseguiam vender os papéis da carteira no mercado senão com profundas perdas. Ao menos um fundo chegou a suspender os resgates, causando forte estresse. Para tentar resolver o problema, o BC criou uma linha de até R$ 91 bilhões de empréstimo aos bancos garantido por debêntures na expectativa de que ajudem a oferecer liquidez ao mercado secundário, propiciando condições para a formação de preços. Também foi aumentado o limite de recompra de letras financeiras (LFs) de emissão dos próprios bancos, de 5% para 20%, títulos que estão em boa parte nessas carteiras.

Apesar disso tudo, as empresas menores, seguiam se queixando que os bancos estavam com o crédito travado, certamente preocupados com seu futuro com propensão a um encolhimento. Pior, alguns haviam elevado a taxa de juros cobrada dos que precisavam renegociar as dívidas. Por isso, o BC dobrou as fichas ao anunciar na sexta um acordo que envolve os bancos privados para o financiamento da folha de salário das empresas. O Tesouro vai assumir 85% do risco de crédito da operação, os bancos ficarão com os 15% restantes e terão a palavra final na aprovação do tomador dos recursos.

Executivos de bancos entrevistados pelo Valor acreditam que a linha vai reativar as operações de crédito. Uma contrapartida exigida da empresa para receber o crédito é não demitir o empregado. Podem se candidatar ao crédito empresas com faturamento de R$ 360 mil a R$ 10 milhões. Os recursos vão custar o equivalente à taxa Selic, 3,75% ao ano, com seis meses de carência e 30 de prazo.

O BC destinou R$ 40 bilhões para a linha, divididos em duas parcelas de R$ 20 bilhões para cada um dos próximos dois meses. Os detalhes de funcionamento estão sendo elaborados, mas a ideia é que o Tesouro repasse o dinheiro para o BNDES, que os transferirá aos bancos. Representantes das pequenas empresas elogiaram a iniciativa, mas se queixam que o volume é pequeno. Pelos cálculos do BC, a medida tem alcance potencial de 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de empregados, um terço dos 4,3 milhões de empresas formais. O financiamento só vai contemplar pagamento de até dois salários mínimos e a empresa terá que arcar com a diferença, se existir.

A movimentação do governo pela melhoria das condições de liquidez e de crédito ainda inclui a maior atuação dos bancos públicos, que deixarão de lado a fase de encolhimento de balanços, em resposta a uma situação excepcional. Ainda assim, a expectativa é que o crédito frustre as previsões otimistas. O próprio Banco Central revisou para baixo as projeções para o ano. A previsão de que o crédito cresceria 7% neste ano foi cortada para 4,8%. No entanto, leva em conta um PIB de variação zero, estimativa hoje considerada otimista por dez entre dez economistas.