Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Especial, p. A16

Mansueto nega selo keynesiano e cria controvérsia

Fabio Graner 


O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse no sábado e repetiu ontem que o governo não está fazendo uma típica política keynesiana. “A forte expansão do gasto público federal neste ano se concentrará em programas de transferência de renda direcionados aos trabalhadores informais e/ou de baixa renda”, diz o texto do Tesouro.

A avaliação, contudo, é polêmica e está longe de ser consenso, em especial junto aos economistas de linhas mais afeitas a John Maynard Keynes, que defendem a intervenção do Estado na economia em momentos de crise ou fraco desempenho.

“Expansão de gasto público, não importa se é por transferência de renda ou para investimento, é política keynesiana de expansão de demanda agregada. A equipe econômica faz ginástica intelectual para não admitir que estão fazendo política keynesiana de expansão da demanda agregada”, disse ao Valor o professor de economia José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB).

“A crise do coronavírus foi a pá de cal na ortodoxia econômica. Pessoas vão descobrir que se pode aumentar dívida, financiar gasto com emissão de moeda e a economia não cai no abismo fiscal nem na hiperinflação.”

Seu colega de UnB, mas de linha econômica oposta, Roberto Ellery, concorda com a tese de Mansueto. “Uma política keynesiana típica tem foco na expansão da demanda agregada, o objetivo do gasto é o que chamam de aquecer a economia. A transferência de renda tem como objetivo ajudar os mais pobres. No contexto, o ponto é permitir que os mais vulneráveis cheguem à outra ponta da crise”, afirmou. “Com alguma ironia, posso dizer que, ao contrário de aquecer a economia, o objetivo é manter a economia ‘fria’, quase em ponto morto, com o menor dano possível a pessoas e empresas.”

Para o pesquisador do Ibre/FGV e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, a atuação do governo neste momento tem, sim, corte keynesiano. “Indiretamente você está usando a

política fiscal para compensar a recessão. Esse impacto existe. A política keynesiana não se resume a aumentar investimentos públicos, mas sustentar a demanda. Nesse caso, isso é feito por meio de transferência de renda, que é o que precisa ser feito.”

O ex-diretor do BC e chefe do departamento econômico da

Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, avalia que, na prática, a atual política tem corte keynesiano, mas enfatiza que isso é algo temporário e com nuances que consideram as especificidades para esta crise.

“O Paulo [Guedes] agora é keynesiano por algum tempo. Keynes dizia que, na época da crise, podia pedir alguém para furar buracos e outro para tapar. Em suma, tinha de ter dinheiro circulando. Mas, agora, é mais um problema de completar renda, ajudando os mais necessitados em estimular mais gastos”, disse Freitas, que brincou de chamar o ministro da Economia, a quem conhece há décadas, de “Paulo Keynes”.

Para o presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda, as atuais políticas anunciadas pelo governo “são muito tímidas e creio que Keynes jamais as assinaria”.

“A questão central é que toda a equipe econômica está num conflito. Sempre pregaram a austeridade como instrumento de retomada da confiança que nos tiraria da crise. Agora que os países mais relevantes têm adotado políticas de forte intervenção do Estado, se veem obrigados a fazê-lo. Embora de forma tímida, tardia e titubeante”, disse. “Precisam dar satisfação ao ‘mercado’ e aos que os apoiam, mas com explicações que não cabem no momento”, completou, cobrando um aumento mais intenso e mais célere de gastos públicos não só para saúde, mas também para reforçar renda de cidadãos e empresas.