Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Especial, p. A16

Dívida bruta pode chegar a 90% do PIB

Ana Conceição 



O custo de amenizar o impacto econômico da pandemia de coronavírus no Brasil deve aumentar o déficit primário em centenas de bilhões de reais e provocar um salto na dívida bruta do governo neste ano. Para analistas, esse contexto reforça a necessidade de o governo comunicar de forma mais transparente quais serão suas ações de médio e longo prazo para evitar que o país volte a uma trajetória insustentável da dívida.

As projeções apontam que a dívida bruta deve ficar acima de 80% do PIB, com chance de chegar a 90% em 2020. No ano passado, o indicador fechou em 76,8%.

Nas contas preliminares da Tendências Consultoria, o governo deve ter resultado primário negativo de R$ 345,8 bilhões, o equivalente a 4,6% do PIB, em 2020. “Será o maior rombo da história”, afirma o economista Fábio Klein. A meta do governo central, de déficit de R$ 124 bilhões, foi abolida devido à crise.

O estimado pela Tendências levaria a dívida bruta a 83% neste ano. Antes da pandemia, a consultoria estimava que a dívida bruta oscilaria em torno de 77% do PIB por dois ou três anos antes de começar a cair.

Após a crise, a arrecadação vai se recuperar de forma gradual da queda de atividade. Nesse cenário, o PIB deve crescer 3,6% em 2021, calcula  Tendências. “Parece um crescimento forte, mas virá depois de um ano muito negativo”, diz Klein.

Por isso, afirma, o governo precisa comunicar de forma clara seu plano de ação no curto, médio e longo prazo para evitar piora do risco-país, o que dificultaria o financiamento do Estado. “É importante saber se haverá compromisso com as reformas”, diz. Para ele, o governo tem errado muito na comunicação. Mesmo assim, Klein vê “sensatez” no secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

Do déficit primário total de R$ 345,8 bilhões previsto pela Tendências, R$ 193,7 bilhões referem-se a gastos relacionados à epidemia. Outra parte se deve à perda de arrecadação. A Tendências estima queda de 1,4% do PIB neste ano.

No cenário traçado pela Capital Economics, o gasto extra do governo deve elevar a dívida bruta a 90% do PIB neste ano. Nas contas da consultoria, o pacote fiscal do governo equivale até agora a 4% do PIB. Com a contração econômica, a redução da receita do governo deve ficar entre 1,5% e 2% do PIB em 2020. A Capital prevê que haverá gastos adicionais de 1% a 1,5% do PIB, deixando o impacto fiscal total entre 6,5% e 7,5% do PIB e o déficit orçamentário para 13% do PIB. É neste cenário que a dívida bruta sobe a 90% do produto.

Num cenário otimista, em que há retomada da austeridade fiscal e a taxa de juros média da dívida permanece a mesma do ano passado, a dívida subiria a 90% do PIB e poderia chegar a pouco mais de 100% em dez anos. A dívida voltaria a níveis insustentáveis se a taxa média de juros recuasse aos níveis de 2017, ainda que a agenda de austeridade fiscal fosse retomada. Nesse caso, a dívida iria de 90% a 130% do PIB em dez anos.

Para o UBS, o gasto extra deve ficar entre R$ 200 bilhões e R$ 300 bilhões (2,8% a 4,1% do PIB). A queda de receita ficaria entre 0,5% e 1,5% do PIB (R$ 58 bilhões a R$ 98 bilhões). Essas perdas implicariam déficit primário adicional de até 5,8% do PIB.

Já o ASA Bank vê possibilidade de o déficit chegar a R$ 280 bilhões neste ano (3,9% do PIB), o que elevaria a dívida bruta a 82% do PIB. Isso com uma Selic reduzida a 2% ao ano. “Os números mostram uma brutal e rápida piora da dívida bruta em período de tempo muito curto. Assim, é importante reforçar a mensagem de que o importante é o foco em gastos fiscais ou desonerações de impostos de caráter temporário e emergencial, de modo a não colocar em risco a trajetória de recuperação fiscal estrutural em curso”, afirmam economistas do banco.