O Globo, n. 32552, 21/09/2022. Brasil, p. 16

Da terra para o céu

Rafael Garcia


Uma pesquisa que coletou amostras de ar por avião na Amazônia ao longo de dez anos mostra que, em 2019 e 2020, a emissão de gás carbônico na região mais que dobrou em relação aos oito anos anteriores. Os aumentos, respectivamente de 83% e 117%, são explicados sobretudo pela aceleração do desmatamento e das queimadas.

As conclusões do trabalho, coordenado por Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram submetidas à revista Nature e aguardam agora revisão independente. Ao todo, 30 cientistas assinam o artigo.

A pesquisa é a continuidade de um estudo que o grupo de Gatti publicou no ano passado e mostrava uma tendência preocupante para o Leste da Amazônia. Em 2018, a área já emitia mais carbono do que absorvia. Agora, pela primeira vez, os pesquisadores observaram um déficit de carbono também no Oeste do bioma.

O estudo indica que a floresta está mais seca, com queda de 12% de chuvas no período de comparação. A região analisada também se tornou mais quente, com aumento de 0,6°C no mesmo intervalo.

Oeste preocupa

“As consequências do colapso na fiscalização levaram a um aumento de desmatamento, queima de biomassa e degradação, produzindo perdas líquidas de carbono e acelerando seca e aquecimento em partes da floresta", escreveram os pesquisadores.

Entre 2010 e 2018, a média anual de emissão na região foi de 250 milhões de toneladas de carbono. Subiu para 440 milhões em 2019 e para 520 milhões em 2020. As emissões de carbono aumentam proporcionalmente mais do que a área de floresta desmatada ou queimada, que cresceu 74% e 42% em 2020, em relação ao período de comparação.

Segundo Gatti, a capacidade da floresta de absorver carbono piorou mais do que ela esperava depois de 2018.

— Depois que o desmatamento desembestou, e com esse monte de queimada, eu esperava que fosse aumentar, mas fiquei surpresa. Não esperava que tivesse piorado tanto — disse a pesquisadora. — O Oeste da Amazônia, mais preservado, também passou a ser fonte de carbono, em vez de sumidouro.

O desmatamento no Leste do Pará e Norte de Mato Grosso já punha a Amazônia Oriental com déficit de absorção de carbono. Em 2020, com o desmatamento no Sul do Amazonas e as queimadas em Roraima, a porção ocidental da floresta também exibiu a mesma tendência.

Sem ter avião e estação de pesquisa na Amazônia, o Inpe desenvolveu um sistema de coleta automática adaptado a táxis aéreos para as coletas de dados, feitas em dois voos por mês, em quatro pontos diferentes da Amazônia.

Ao longo de todo o período de coleta, foram obtidas 742 amostras de ar, levadas para o Inpe, em São José dos Campos (SP), onde foram analisadas. Além do dióxido de carbono, Gatti avaliou a concentração de óxido nitroso e metano, outros gases causadores de efeito estufa. A concentração de monóxido de carbono também foi medida, como uma forma de avaliar a intensidade das queimadas.

Inventário suspeito

Os resultados de fluxo de carbono obtidos na pesquisa, diz Gatti, são um indício a mais de que o inventário de emissões de carbono que o Brasil envia à Convenção do Clima da ONU está subestimado.

— Existem três problemas que fazem o inventário ser meio distante da realidade. O primeiro é não considerar as emissões de queimadas. O segundo é não considerar as emissões de degradação florestal. O terceiro é considerar que todas as áreas protegidas estão absorvendo o carbono — explica a cientista. — As áreas protegidas deixaram de ser protegidas. Estão invadindo reserva adoidado, desmatando, e nada acontece.

No estudo, pesquisadores da UFMG que também participaram do trabalho incluíram o histórico de multas por desmatamento ilegal aplicadas e pagas, que caíram 42% e 89%, respectivamente, no período de comparação. Os dados sinalizam uma correlação entre a falta de fiscalização e o aumento de crimes ambientais após 2018.

O GLOBO entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente pedindo um comentário sobre o estudo dos cientistas do Inpe e da UFMG, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. A primeira versão do artigo de Gatti e seus colegas foi publicada na plataforma Research Square, ligada à Nature.