O Globo, n. 32553, 22/09/2022. Economia, p. 16

O sentimento do eleitorado

Míriam Leitão


O sentimento do eleitorado está piorando em relação a Bolsonaro. Isso num momento em que os indicadores de inflação, crescimento e emprego melhoram neste trimestre que antecede à eleição. A explicação desse enigma é a de que o eleitor julga o candidato à reeleição pelo todo, e não por um momento, seja ruim ou bom. O reverso dessa situação, que confirma o fenômeno, aconteceu com Fernando Henrique, em 1998. Os meses anteriores à reeleição foram de crise cambial e recessão, mas FHC havia consolidado o Plano Real. O eleitor julgou seu governo como um todo e deu a ele uma segunda chance. Ele venceu no primeiro turno.

Está ocorrendo neste trimestre de julho a agosto uma forte deflação. Ela é resultado, em parte, de manipulação de preços de combustíveis e de energia. Não havia, contudo, afetado os alimentos. Agora, começam a cair os preços também de alimentos e isso será visível no IPCA-15 a ser divulgado na semana que vem. A atividade subiu, puxada por serviços — setor que está mais próximo às pessoas —e o desemprego caiu. Deveria estar melhorando a percepção do governo, pela ligação conhecida entre economia e política. E por que não está?

— As pessoas não compram a derivada da curva. Elas compram o valor absoluto. O preço dos alimentos continua alto. O efeito do sentimento de que haveria uma melhora na economia acabou. A expectativa de melhora pode virar euforia ou frustração. Está havendo frustração. Diminuiu o percentual de pessoas que dizem que Bolsonaro está sendo capaz de resolver os problemas. As pessoas perderam a expectativa. Acho que o quadro está ficando muito ruim para o presidente —diz Felipe Nunes, da Quaest.

Isso se confirma na pesquisa Ipec, divulgada na segunda-feira, pela Rede Globo. A rejeição de Bolsonaro ficou em 50%, nível altíssimo, mas são 59% os que desaprovam o seu jeito de governar, que chega a 62% entre as mulheres. Nada do que ele fez funcionou: manipulações da economia para produzir um trimestre bom, aumento de benefícios, criação de bolsas, declarações a favor de mulheres.

— A rejeição entre as mulheres aumentou absurdamente, sete pontos em uma semana na pesquisa Quaest —conta Felipe.

Mulheres e pobres estão julgando o conjunto da obra. O eleitorado em geral julga também pelo todo. O governo Bolsonaro tem sido desastroso e não há maquiagem de última hora que mude a impressão que ficou.

A comparação com o trimestre anterior à reeleição de Fernando Henrique é curiosa porque é o mesmo fenômeno, mas com efeito inverso. Houve deflação de 0,71% no trimestre de julho a setembro de 1998, e agora a deflação pode chegar a 1,2%, pelas contas do economista Luis Otávio Leal, do banco Alfa. Com a enorme diferença de que naquela época a inflação acumulada em 12 meses era, em setembro, de apenas 2,27%, e agora pode ficar em 7,31%, no mesmo mês. Mas o que se vivia no país em 1998 era um ambiente recessivo e os rigores de uma crise cambial. A economia estava estagnada quando as urnas foram abertas. Ainda assim o eleitor o julgou pela consolidação do Plano Real.

— Acho esse paralelo que você faz maravilhoso, sabe por quê? O que o eleitor fez naquela época foi julgar os quatro anos e não os três meses. Lá no Fernando Henrique o eleitor olhou para os quatro anos e pensou: ‘está ruim, mas esse cara aguenta o rojão’. No caso de Bolsonaro são quatro anos muito ruins e três meses de melhora. Nos dois casos é voto retrospectivo de longo prazo e não de curto prazo — diz Felipe Nunes.

O mecanismo é o mesmo, mas o resultado é diferente. No caso de Fernando Henrique, o todo era melhor do que o imediato. No caso de Bolsonaro, o curto prazo na economia é melhor do que o todo. Nos dois momentos o brasileiro faz a conta inteira. Bolsonaro tem executado truques de curto prazo, na economia, em suas estratégias de campanha, mas nada tem funcionado. O eleitor duvida. Bolsonaro tenta agradar às mulheres, mas ele sempre as tratou mal, faz um programa para os pobres, mas sempre desprezou os pobres. Houve a pandemia, e ele agiu mal enquanto o país sofria. Bolsonaro garante que a pobreza está caindo, mas todos sentem o efeito do aumento da miséria no país.

Nesta esquina entre economia e política, onde eu habito, muita coisa acontece. Mas nada é automático. Há sutilezas e reflexões. Bolsonaro, que despreza a democracia, não consegue entender as complexas equações do eleitorado.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)