Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Finanças, p. C1

Risco fiscal limita queda de juro longo 

Victor Rezende
Lucas Hirata 


Os esforços das autoridades globais para combater os riscos de uma grave recessão econômica têm ajudado a derrubar as taxas de juros de longo prazo na B3. No entanto, o momento de incertezas com a situação fiscal do Brasil continua em vigor e cobra um prêmio de risco elevado, algo que fica bastante claro na diferença entre as taxas de longo prazo e as de curto prazo.

Para analistas, esse contraste deve prevalecer por algum tempo, tendo em vista que reduções adicionais da Selic estão a caminho, ao mesmo tempo em que a perspectiva nublada para a política fiscal acaba por gerar insegurança nos investidores, o que impede uma retirada de prêmio de risco mais intensa nos trechos mais longos da curva de juros.

O cenário fica evidente no aumento da chamada “inclinação da curva de juros” desde o início da crise decorrente do novo coronavírus. Entre as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 e de 2029, o spread passou de 2,61 pontos em 23 de janeiro para 4,575 pontos ontem.

“Há uma deterioração no relacionamento entre o governo e o Congresso, em um cenário de aumento de gastos públicos. Sem indicação de melhora nas relações e na ausência de sinais quanto à aprovação de reformas estruturais, a inclinação da curva tende a continuar alta”, diz Carlos Menezes, gestor de renda fixa na Gauss Capital.

Para Dan Kawa, diretor de investimentos da TAG, os juros baixos ao redor do mundo até ajudam a ancorar as taxas longas, mas alguma inclinação é inevitável neste estágio do ciclo de política monetária e do cenário fiscal por aqui. “A perspectiva de deterioração fiscal assusta, caso não seja endereçada no futuro. Contudo, a atuação fiscal é essencial momento para evitar um caos social e econômico.”

Algumas notícias no fim de semana ajudaram a derrubar os juros de longo prazo ontem na B3. O ministro da Economia, Paulo Guedes, demonstrou confiança quanto à retomada da agenda de reformas estruturais passados os efeitos do novo coronavírus. Além disso, o governo estuda incluir na proposta de emenda constitucional (PEC) que autoriza o BC a adquirir créditos privados a possibilidade de ampliar as modalidades de compra de títulos do Tesouro Nacional. A autoridade monetária, assim, poderia atuar nos trechos de mais longo prazo da curva de juros.

A taxa do contrato de DI para janeiro de 2021 recuou de 3,49% para 3,41%, em nova mínima histórica. No outro extremo, a taxa para janeiro de 2027 foi de 7,69% para 7,56%.

De acordo com Menezes, os vértices de prazo mais curto e intermediário embutem nos preços um cenário de retomada da atividade que não contempla nem inflação muito alta nem aceleração muito forte. “Isso significa que o BC teria menos necessidade de subir juros. Por isso, os juros de médio prazo têm visto forte retirada de prêmio”, afirma o gestor da Gauss, que vê uma ancoragem maior nas taxas mais curtas.

No Boletim Focus divulgado ontem pelo Banco Central, o ponto médio das estimativas do mercado para a Selic no fim deste ano passou de 3,75% para 3,5%. Já no grupo dos analistas que mais acertam as projeções (Top 5) de médio prazo no Focus, a mediana da taxa básica de juros em 2020 passou de 3,38% para 3,13%.

É com base na perspectiva de cortes adicionais na Selic que o Deutsche Bank também aponta para um viés de inclinação da curva de juros. “Nossa recomendação é para que as aplicações se concentrem na parte curta da curva, assumindo que o BC vá cortar mais 0,50 ponto nos juros e manter as taxas baixas por um longo período”, diz o estrategista-chefe de mercados emergentes do banco alemão, Drausio Giacomelli. Para ele, contudo, o movimento de achatamento recente, com a queda dos juros longos, não irá se estender diante do risco fiscal. “O viés ainda é de inclinação maior com o juro da parte curta caindo”, afirma o executivo.