Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Finanças, p. C1

Ex-dirigentes apoiam maior poder ao BC

Alex Ribeiro


Ex-dirigentes do Banco Central apoiam a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dá poderes para a autoridade monetária comprar títulos públicos e privados no mercado em situações de emergência, como na atual crise do coronavírus. Esse já é um papel desempenhado por bancos centrais ao redor do mundo, mas nossa legislação é restritiva para evitar

“O Banco Central está certo em propor a emenda”, afirma o sócio da Mauá Investimentos, Luiz Fernando Figueiredo, que foi diretor de política monetária do BC durante a crise de 2002.

“O mercado quer retirar risco de suas carteiras, e o Banco Central pode atuar nessa espiral de falta de liquidez”, afirma o economista-chefe do UBS Brasil, Tony Volpon, ex-diretor de assuntos internacionais do BC. “Nesse momento, é sadio ter o Banco Central como um formador de preços de última instância.”

Um terceiro ex-dirigente do BC, que pediu para não se identificar, afirma que a PEC poderá resolver um vácuo que existe na administração de liquidez da dívida pública. O Tesouro, segundo ele, historicamente considera que não é sua atribuição dar saída para os investidores nos momentos de estresse. Esse seria um papel clássico do Banco Central, que tem a função de zelar pelas condições financeiras para assegurar a transmissão da política monetária e garantir a estabilidade financeira.

Segundo Volpon, está havendo uma expansão da função dos BCs de emprestador de última instância. Recentemente, o mercado de títulos do Tesouro americano estava entrando em colapso, embora esse ativo seja considerado o mais seguro do mundo, e o Federal Reserve (Fed) atuou. “Basicamente, o Fed deu liquidez na curva inteira, e normalizou o mercado”, afirma ele.

Algo semelhante, argumenta, acontece no Brasil. A curva de juros subiu muito, em grande parte devido a uma deficiência na formação de preços, num mercado que atravessa um período de estresse. Mais recentemente, houve um arrefecimento, com a recompra de títulos pelo Tesouro.

“A provisão de liquidez pelo BC é importante para dar ao mercado um sinal de que há alguém para apoiar”, afirma ele. “Tem um efeito de expectativas que não pode se desprezar. Sabendo que o BC está disposto a entrar, muitos investidores podem entrar.”

Volpon diz que, no caso do mercado de títulos públicos, esse papel de formador de mercado tradicionalmente é exercido pelo Tesouro, com a recompra de papéis de mercado. Ele pondera, porém, que hoje o poder do Tesouro para esse tipo de operação parece mais limitado.

Primeiro, porque os gastos emergenciais para combater a crise do coronavírus vão exigir mais caixa do Tesouro, e é incerta a sua capacidade de levantar mais dinheiro no mercado. Segundo, porque houve uma mudança institucional no relacionamento entre o Tesouro e o BC, que acabou com o pagamento da chamada equalização cambial.

Figueiredo diz que, em situações de estresse extremo, só um agente grande o suficiente pode atuar de forma contracíclica. “O Tesouro tem um caixa gigante, mas finito”, argumenta. “O caixa do BC é infinito.”

Em 2002, o BC teve que atuar numa situação similar. Na época, fundos de investimentos faziam a chamada operação de LFT sintética. Nesses negócios, compravam títulos cambiais de emissão do Tesouro (NTN-Ds) e do Banco Central (NBC-Es) e, simultaneamente, vendiam swaps cambiais.

Naquele período, os títulos públicos sofreram forte desvalorização, com receios de que um provável governo Lula decretasse a moratória da dívida. A bolsa passou a exigir depósitos de margens maiores nos contratos de swap cambial, pressionando o caixa dos fundos de investimento.

Na época, a diretoria do BC pediu um parecer ao departamento jurídico da instituição sobre a compra de títulos públicos. A resposta foi que não era permitido o BC comprar títulos do Tesouro. “Achei uma leitura restrita”, diz Figueiredo. “Pretendíamos comprar títulos que estavam em poder do mercado, não do Tesouro.” O entendimento jurídico foi que o BC poderia recomprar títulos de sua própria emissão, as NBC-Es. De fato, esses papéis foram recomprados, desarmando aquele foco de crise.

Um ex-dirigente do BC argumenta que a PEC deveria propor uma solução permanente para o BC comprar títulos públicos em mercado. Para ele, os momentos de estresse que exigem a recompra desses papéis são mais frequentes do que apenas quando é declarada guerra, estado de sítio ou calamidade, como prevê a PEC. Nas economias desenvolvidas, os BCs desempenham essa função de forma permanente.