Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Finanças, p. C5

Países emergentes embarcam em política de estímulo radical

Jonathan Wheatley 


Bancos centrais no mundo em desenvolvimento vêm levando suas políticas a extremos que seriam inimagináveis até poucas semanas atrás, depois de a pandemia do coronavírus ter sacudido os mercados de dívida e levado os governos a se preparar para uma expansão sem precedentes nos gastos públicos.

Os bancos centrais de Polônia, Colômbia, Filipinas e África do Sul começaram a comprar títulos de dívida de seus governos e de seu setor privado nos mercados secundários, enquanto os do Brasil e da República Tcheca solicitaram a aprovação de novas leis que lhes permitam fazer o mesmo.

Tais políticas, conhecidas como afrouxamento quantitativo,  foram usadas pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) e outros BCs do G-7 na esteira da crise financeira mundial de 2008 e 2009, quando outras formas de política monetária expansionista, como o corte das taxas referenciais de juros, não haviam sido suficientes para reacender suas economias.

Agora que sofrem fortes retrações, autoridades econômicas no mundo em desenvolvimento vêm recorrendo ao mesmo método como medida emergencial.

“Apenas o tempo vai dizer se eles estão certos em fazer isso, mas acho que precisam [fazê-lo]”, diz Eric Baurmeister, chefe de renda fixa em mercados emergentes no Morgan Stanley Investment Management, que investe em títulos de países emergentes desde antes da crise dos mercados emergentes no fim dos anos 90. “Estamos, todos, experimentando”, disse. “Todos os países no mundo estão elevando a dívida nos balanços dos governos de uma forma que ninguém consegue arcar, ainda menos os mercados emergentes, mas vamos ter de nos preocupar com isso mais à frente.”

Na sexta-feira, o presidente do BC do Brasil, Roberto Campos Neto, se tornou mais uma autoridade a repetir o que Mario Draghi, então presidente do BCE, fez em 2012, de comprometer-se a “fazer o que for necessário”. Ao anunciar um pacote de R$ 1,2 trilhão em estímulos fiscais e monetários, Campos disse ter pedido uma emenda constitucional que permita à instituição comprar bônus nos mercados.

O pacote do Brasil é, de longe, o maior de afrouxamento quantitativo a ter sido anunciado entre as economias emergentes. Há duas semanas, o BC da Polônia anunciou “compras de grande escala” de bônus do Tesouro, sem dizer quanto iria adquirir. O banco central da Colômbia veio a seguir, na semana passada, divulgando um plano para gastar cerca de US$ 2,5 bilhões na compra de bônus emitidos pelo setor privado.

O BC das Filipinas gastará US$ 6 bilhões em bônus governamentais nos próximos seis meses. O banco central da África do Sul, onde o país se prepara para três semanas de isolamento populacional, começou a comprar bônus governamentais na quarta-feira passada, sem especificar as quantias.

Os anúncios chegam na esteira de uma série de outras medidas para injetar liquidez nos setores bancários do mundo em desenvolvimento, onde governos já lutavam para manter as empresas vivas mesmo antes de a pandemia chegar a seus países. Os governos parecem ter obtido certo sucesso ao longo da última semana. Os rendimentos dos bônus caíram depois de terem atingido recordes em março, aliviando a pressão sobre as finanças públicas.

Esse, contudo, pode ser alívio apenas de curto prazo. Muitos analistas questionam se as políticas monetárias ultraexpansionistas foram eficazes em elevar a produção no mundo desenvolvido nos últimos dez anos ou se meramente serviram para inflar a cotação dos ativos. No mundo em desenvolvimento, eles temem que talvez não se consiga alcançar nem isso e, além disso, que muitas partes de suas economias sejam deixadas fora do alcance das medidas.

Muitos governos construíram escudos defensivos desde as crises dos anos 90, na forma de grandes reservas internacionais. Por outro lado, entretanto, não fizeram os ajustes fiscais necessários que poderiam ter proporcionado o poder orçamentário para sustentar suas economias ao longo deste grave retrocesso econômico que se aproxima.

“Nas economias desenvolvidas é possível taxar mais a produção para pagar as dívidas e os governos são capazes de produzir seu próprio dinheiro para poder lidar com grandes estoques de dívida”, explica Baurmeisteir, do Morgan Stanley. “[As economias emergentes] vêm fazendo o que podem, mas o espaço para estímulos fiscais e monetários não é o mesmo e eles percebem que há limites.” Alguns governos conseguiram expandir os mercados de dívida local nos últimos anos, tornando-se menos dependentes de crédito externo. Mas as fontes locais de crédito provavelmente ficarão saturadas com as demandas que estão por vir por parte das finanças públicas.

“É por isso que o BC do Brasil quer tanto ser um participante do mercado”, diz William Jackson, economista-chefe de mercados emergentes na Capital Economics. “Havia preocupações do tipo com a trajetória da dívida no Brasil, e muito otimismo de que a reforma previdenciária [aprovada em 2019] havia removido essa nuvem. Agora, o governo vai ter de aumentar suas dívidas de novo”, afirma. / Financial Times