O Globo, n. 32555, 25/09/2022. Opinião, p. 2

A relevância política dos evangélicos



São óbvias as razões que levam Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro a cortejar o apoio de evangélicos. Como mostrou uma série de reportagens no GLOBO, no começo da década de 1990 havia 30 mil templos em todo o país. De lá para cá, o número pulou para mais de 178 mil. Na ausência de um Censo recente, não se sabe ao certo quantos professam tais religiões. Os institutos de pesquisa estimam em cerca de 25% dos eleitores. Se, há três décadas, políticos em busca de votos já faziam peregrinação por igrejas de diferentes denominações, hoje a atenção se tornou prioridade.

Nem sempre esse interesse é benigno. O proselitismo político em templos deveria ser evitado por todos. Infelizmente não é assim. A Igreja Católica tem regras sobre a participação de sacerdotes em disputas eleitorais. Em várias denominações evangélicas, porém, religião e política se confundem. Não há problema se candidatos defendem valores de sua religião ou se pastores prestam apoio a candidaturas fora de suas atribuições sacerdotais. O problema começa quando se usa o púlpito para pedir votos ou quando se quer influir em políticas públicas em favor de medidas que ameaçam o caráter laico do Estado. É por isso que a aproximação entre os religiosos e a política merece atenção permanente.

Em época de campanha, tudo o que os candidatos querem é conquistar esse eleitorado. Na disputa deste ano, o PT demonstra ter mais dificuldade. É certo que Lula vem galgando apoio entre os evangélicos. Saiu de 26% no final de agosto para 32% na semana passada, segundo o Ipec. Apesar disso, Bolsonaro tem mantido vantagem nunca menor do que 16 pontos percentuais.

Embora costumem ser tratados como bloco monolítico, os evangélicos são um grupo plural. Há as igrejas da Reforma Protestante do século XVI (batistas, presbiterianos, metodistas, luteranos e anglicanos); as igrejas pentecostais (movimento criado nos Estados Unidos no início do século XX); e as neopentecostais (criadas a partir da década de 1970). Diferenças teológicas somem diante de pautas comuns, como o perdão às dívidas de igrejas, conquista da bancada evangélica no Congresso.

Parte do apoio recebido por Bolsonaro pode ser explicada pela defesa desse tipo de demanda de interesse pecuniário. Mas não só. Outro componente são as guerras culturais. As declarações do presidente sobre família e sexualidade encontram eco genuíno no público evangélico. Bolsonaro é o primeiro presidente a fazer campanha como cristão, apesar da nada cristã defesa das armas, à qual os pastores que o bajulam fazem vista grossa, assim como aos erros do governo na pandemia.

Republicanos e PL são os partidos que atraem mais parlamentares evangélicos, mas há representantes noutras legendas. A pulverização partidária dá aos líderes religiosos muitas opções. Chama a atenção haver poucos petistas na frente evangélica da Câmara: quatro entre 187 deputados.

Em governos anteriores do PT não houve dificuldade para obter apoio das principais denominações. Caso se confirme a vitória de Lula em outubro, será interessante observar como reagirão os pastores hoje colados em Bolsonaro. Continuarão fiéis à pauta bolsonarista de costumes, ainda que isso represente um lugar na oposição? Ou serão parte da base governista em troca do apoio a decisões que os beneficiem? Ficou impossível analisar a política brasileira sem levar em conta os evangélicos.