Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Finanças, p. C1
Em meio à crise, cresce pedido para ressarcir perda por falha
Naiara Bertão
Momentos de estresse como o que o mercado de ações e títulos vive hoje têm levado mais investidores a serem agressivos nas decisões e ligeiros nas mudanças de posições. Com isso, cresceram também os pedidos de ressarcimento por prejuízos causados por falhas em corretoras e plataformas de investimentos.
Levantamento feito pelo Valor a partir de dados do sistema do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízo (MRP), administrado pela BSM Supervisão de Mercados, que integra o grupo B3, mostra que, das 177 reclamações que foram registradas nos últimos dois meses, desde 19 de janeiro, 85 são referentes a problemas no período pós-Carnaval (do dia 26 de fevereiro até 22 de março).
Apesar de o MRP ser mais usado para casos de quebra de corretoras, esses 85 pedidos não têm ligação com a liquidação ou falência de corretoras. O ritmo alto de pedidos concentrados nos últimos dias chamou a atenção porque coincidiu com a turbulência do mercado financeiro.
O crescimento de pedidos de ressarcimento se deve, em especial, à instabilidade que algumas corretoras apresentaram quando os mercados voltaram do feriado de Carnaval, reagindo fortemente à rápida disseminação do novo coronavírus. De lá para cá, o volume de negociação com papéis do Ibovespa subiu 55%. Em 2020, até dia 21 de fevereiro, o giro financeiro médio por pregão era de R$ 17,22 bilhões. De 26 de fevereiro até dia 16, saltou para R$ 26,73 bilhões.
Só no dia 9 de março, dia do primeiro “circuit breaker” (interrupção dos negócios) do ano, os clientes das corretoras XP Investimentos, BTG Pactual, Easynvest e Banco Inter relataram problemas nas redes sociais e grupos de WhatsApp para acessar as plataformas.
Não foi a primeira vez que a XP foi alvo de críticas. Na própria Quarta-Feira de Cinzas a empresa divulgou nota admitindo lentidão e instabilidade do sistema, por conta da forte demanda por conta do dia excepcional.
Kenneth Ferreira, sócio da área de mercado de capitais do escritório de advocacia Tozzini Freire, ressalta que o MRP não cobre perdas no mercado acionário e só vale quando o prejuízo for causado por falha da corretora. “Como houve migração grande de investidores pessoa física de renda fixa para renda variável em busca de maior rentabilidade, muitos com pouca experiência em bolsa, é natural que muitos estejam com trauma e peçam ressarcimento”, explica.
A BSM é o órgão que avalia as solicitações e decide se o pedido de ressarcimento faz ou não sentido. Se o pedido for aceito pela BSM, esse instrumento assegura aos investidores uma indenização de até R$ 120 mil.
Por lei, as corretoras e plataformas de investimento precisam fazer testes de estresse para garantir que seus sistemas funcionariam bem em cenários de alto volume. Mas, na semana passada, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) resolveu reforçar ainda mais a necessidade de todo mundo ter plano de contingência para atender a alta demanda.
“O principal dever do intermediário em caso de estresse do mercado em decorrência da disseminação da covid-19 é o de comunicar prontamente sua base de clientes sobre essa situação, inclusive em relação a possíveis impactos nos níveis de serviço oferecidos, colocando à disposição dos clientes os contatos que devem ser utilizados e as formas de interação para a colocação de ordens de operações”, ressaltou o regulador. Também reforçou que, mesmo em modelo de trabalho remoto, as corretoras precisam ter canais disponíveis para os atendimentos.
Dos 85 pedidos de ressarcimento referentes ao período mais agudo da crise na bolsa, três são de clientes do BTG, oito da Modalmais, três da Genial, um da Easynvest, um da Nova Futura, um do Banco Inter. Os 67 casos restantes são da XP. Vale ressalvar que são dados de reclamações registradas, ainda em análise pela BSM.
Indagada sobre os pedidos, a XP explicou que nas últimas semanas chegou a registrar um volume de acessos até cinco vezes maior em relação à média diária e que está adotando “medidas concretas para melhorar e modernizar suas plataformas, processos e qualidade do atendimento ao cliente”. Disse ainda que disponibiliza outras opções para os clientes realizarem as transações em dias de maior volume. Quanto aos pedidos de ressarcimento, está analisando todos.
BTG, Genial e Terra Investimentos responderam que as reclamações estão sob a análise preliminar da própria BSM e não chegaram a seu conhecimento. A Easynvest disse que ajuda sempre seu cliente a encontrar um canal oficial de comunicação, como chat, telefone e e-mail para tratar suas demandas.
A Modalmais informou que sua plataforma apresenta um dos melhores históricos de estabilidade do mercado e que todas as reclamações são “minuciosamente analisadas por sua equipe de atendimento e ouvidoria”. Disse ainda que os casos referentes às últimas semanas foram considerados “descabidos” em análise interna, mas ainda estão sob avaliação da BSM.
O Banco Inter disse que sua plataforma possui um “alto nível de disponibilidade”. Também afirma que os investidores que registrarem qualquer prejuízo ou perda decorrentes de instabilidades operacionais serão devidamente ressarcidos após análises internas. O banco reforçou, contudo, que o MRP não é indicado para cobertura de perdas nos investimentos e sim para casos onde há riscos operacionais para o investidor.
A Nova Futura não comentou.