Valor Econômico, v. 20, n. 4971, 31/03/2020. Legislação & Tributos, p. E2

A mediação no mundo empresarial

Selma Nunes


Estima-se que a Justiça brasileira leve cerca de seis anos e dois meses para executar processos pendentes na esfera estadual, sendo que o número pode ser bem maior para processos federais (cerca de oito anos). Por isso, a mediação extrajudicial é uma ferramenta poderosa e fundamental no mundo corporativo, especialmente no âmbito da área de recursos humanos com foco em gestão de pessoas.

A mediação, amparada na Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015, pode ser judicial ou extrajudicial, e é a atividade exercida por um profissional que facilita e estimula a solução de conflitos fora dos tribunais.

Diferentemente da cultura do litígio, onde um terceiro (o juiz) impõe sua decisão sobre as partes envolvidas no processo, a mediação atua como uma facilitadora para que todos os envolvidos saiam satisfeitos do acordo, levando em conta não apenas as questões técnicas do problema, mas também o fator “humano” envolvido no conflito.

As pessoas chegam para pedir ajuda na resolução de uma questão que se arrasta há muito tempo, que influencia a vida e a saúde mental de todos os envolvidos. Então, é preciso dar mais atenção às dores e sentimentos daqueles que participam do conflito.

No âmbito empresarial, é muito comum setores internos que não conseguem trabalhar de maneira colaborativa, o que afeta todo o planejamento em vários segmentos. Desafetos e disputas de cargos são situações comuns que, se não forem “tratadas” no tempo certo, se transformam em casos judiciais capazes de prejudicar todos os que são parte do litígio, inclusive a própria empresa.

Vale observar a diferença existente entre confronto e conflito. O conflito é uma discordância de posição, postura, ideias, atitudes e interesses. Nele, as pessoas estão dispostas a defender seus pontos de vista, mas sempre com a intenção de preservar a continuidade da relação. No confronto existe sempre o componente hostil, em que as pessoas se opõem no plano pessoal, temem o debate de ideias.

Na mediação, compreendemos que o conflito é necessário para gerar mudanças, justamente por ser inerente ao processo de desenvolvimento humano, pois em qualquer área da vida há algum tipo de conflito que deverá ser enfrentado.

Quando nos deparamos com as angústias de outra pessoa, que às vezes está mascarando todo conteúdo emocional num problema mais concreto, é necessário ampliar nossas percepções enxergando o aspecto mais frágil travestido de conflito, fazendo com que essas emoções militem a seu favor, usando-as como alavanca para novas ponderações, ajustes de comportamentos e até na forma como as partes conseguem olhar para tudo isso.

Por meio do diálogo e ferramentas adequadas, o mediador atua como um facilitador na construção de saídas para os conflitos. Imparcialidade, objetividade, sigilo e escuta ativa são alguns dos pilares que têm o poder de focar exatamente nas questões que precisam ser discutidas, sem a interferência de fatores externos que possam atuar sobre as decisões dos participantes envolvidos.

O mediador tem a capacidade de construir uma argumentação sedimentada no aspecto positivo do conflito, pois é o sentido que damos ao conflito que determina seu impacto. No final, a questão não é o que ou como aconteceu, mas como foi resolvido.

A imparcialidade dos mediadores ou mediadoras diante do conflito é imprescindível para criar um vínculo de confiança e credibilidade com as partes. Por meio da escuta ativa e da inteligência emocional, a mediação tem marcado posição como uma nova alternativa facilitadora do consenso, sem uma visão meramente técnica, com os envolvidos totalmente alijados do processo decisório, como nas soluções via Poder Judiciário.

Assim, o trabalho do mediador é apresentar um “novo olhar” para o conflito, pois entende-se que o fator emocional comanda o comportamento pessoal, com resultados positivos ou negativos dependendo do impacto das situações fáticas no cotidiano das pessoas.

Todo o trabalho consiste em permitir que as partes envolvidas possam perceber o conflito de forma mais ampla e positiva. Na mediação, essa comunicação é facilitada com técnicas adequadas capazes de reduzir o ruído do ambiente inicial sem que as partes se sintam julgadas ou ameaçadas em suas crenças e convicções.

A inteligência emocional, por exemplo, é um recurso muito explorado na prática, utilizado como gatilho para motivar as partes a usarem essa capacidade para entender e administrar os próprios sentimentos e emoções que existem por trás do conflito. Propicia a criação de uma realidade mais humana e ampliada, já que o conflito está relacionado a indivíduos que buscam determinados resultados a partir de uma comunicação desgastada e sem consenso.

Atuar na resolução extrajudicial de conflitos no âmbito empresarial é evitar que uma questão acabe trazendo prejuízo ao ambiente de trabalho, com possível repercussão econômica. Optar pela justiça restaurativa, por meio de ferramentas voltadas para as relações humanas incentiva a cultura de paz na esfera corporativa. O mediador, nesse sentido, cria um ambiente de transformação no meio em que está inserido.

Selma Nunes é jornalista e advogada da Sena Mediação - Gestão de Conflitos

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