O Globo, n. 32555, 24/09/2022. Opinião, p. 3

As limitações das pesquisas eleitorais

Raphael Nishimura


Nunca se publicaram tantas pesquisas eleitorais quanto nestas eleições. Os levantamentos publicados neste ano já são mais que o dobro dos registrados no TSE em 2018. Com a proliferação de pesquisas, as metodologias também entraram no debate público.

George Gallup, pioneiro em pesquisas nos EUA, acreditava que eram vitais para a democracia por dar voz ao eleitorado e à opinião pública. Dada a importância das pesquisas eleitorais para a democracia, é essencial entender suas limitações para que possamos usar seus resultados de forma adequada e consciente.

Uma das principais limitações é estarem sujeitas a inúmeras fontes de erro. Erros são inerentes às pesquisas. O termo “erro” aqui não tem seu significado usual de “equívoco” ou “descuido”, mas o sentido estatístico de “discrepância” ou “desvio” entre a estimativa da pesquisa e o valor verdadeiro daquela característica na população.

Digamos que uma pesquisa de boca de urna estima que determinado candidato obteve 20% dos votos, mas nos resultados da eleição ele aparece com 22%. O erro da estimativa é de dois pontos percentuais. Ele pode vir de diversas fontes. A mais conhecida do público é chamada de “erro amostral”. Decorre de as pesquisas observarem apenas uma amostra dos eleitores em vez de todo o eleitorado. É uma fonte bem estabelecida pela teoria estatística por meio de técnicas de amostragem, estimada pela famigerada margem de erro amostral associada a um coeficiente de confiança. Há, no entanto, outras fontes de erro não captadas por essa margem que podem ser tão ou mais importantes.

Uma delas é o erro de cobertura. Ele ocorre quando a pesquisa não atinge parte da população pela forma como a amostra é selecionada ou como os seus dados são coletados. Pesquisas telefônicas são um exemplo típico: quem não tem acesso a telefone não entra no levantamento. Se os eleitores sem telefone tendem a votar em certo candidato, levantamentos telefônicos subestimarão suas intenções de voto.

Outra fonte de erro que desafia os estatísticos é conhecida como “não resposta”. Ocorre quando indivíduos selecionados na amostra se recusam a responder à pesquisa. Se eleitores de determinado candidato têm menor propensão a participar de pesquisas, as intenções de voto desse candidato serão subestimadas. Ao contrário do problema de cobertura — consequência do modo como os institutos selecionam suas amostras —, o erro de não resposta está relacionado a características individuais, e não tanto a decisões metodológicas.

Mesmo quando os eleitores respondem à pesquisa, nem sempre o que eles reportam corresponde a suas reais opiniões ou atitudes. Denominamos essa discrepância de “erro de mensuração”, e ela pode ocorrer por diversos fatores, de questionários mal elaborados a respostas intencionalmente equivocadas.

O principal objetivo em pesquisas não é eliminar completamente todos os possíveis erros. Na prática, é uma tarefa impossível. Em vez disso, procura-se reduzi-los, sob restrições de custo e tempo, usando rigorosos protocolos de pesquisa e coleta de dados, além de ajustes estatísticos.

Há resultados empíricos sobre que métodos apresentam melhor desempenho, mas a maior parte voltada para Europa e EUA. Não está claro se suas conclusões são aplicáveis à realidade brasileira. Além disso, dependendo do critério, não existe consenso sobre quais deles levam a estimativas melhores. Diante dessa incerteza, uma pluralidade de pesquisas adotando diferentes decisões metodológicas contribui para aprimorarmos os resultados. Mas, como pode haver discrepâncias, muitos eleitores acabam ficando confusos nesse mar de números.

Em função da falta de entendimento da natureza metodológica das pesquisas e de certo receio em relação à influência delas na decisão de voto, alguns argumentam que deveriam ser proibidas, mesmo que dias antes da eleição. Tal medida traria muito mais prejuízos que benefícios ao processo democrático. O vácuo de informação seria rapidamente preenchido com alternativas de qualidade inferior, como enquetes em redes sociais, estatísticas de ferramentas de busca ou mesmo cotações em sites de apostas. Pesquisas eleitorais são planejadas, coletadas e analisadas justamente com o objetivo de permitir extrapolações estatísticas para a população. Parafraseando o que Winston Churchill disse sobre a democracia: pesquisas são a pior forma de medir as preferências do eleitorado, à exceção de todas as demais.