Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Brasil, p. A4

Mesmo com suspensão da dívida, situação de Estados é delicada

Marta Watanabe


Depois das transferências de recursos diretos para a saúde, a recomposição dos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e a suspensão do pagamento da dívida são consideradas duas medidas com efeito mais imediato dentro do pacote de ajuda da União aos governos estaduais para amenizar os impactos financeiros da pandemia.

Apesar de importantes, as medias devem ter alcance financeiro limitado, segundo analistas, já que 17 Estados já estão com o pagamento da dívida suspensa e a maior relevância do FPE é concentrada em menos da metade dos Estados.

Num movimento iniciado por São Paulo, nas últimas duas semanas 12 Estados obtiveram liminares no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento da dívida com a União por seis meses e destinar os recursos no combate à covid-19. Além desses entes, outros quatro Estados não pagam o serviço da dívida com base em medidas judiciais anteriores à crise com a pandemia. São Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás e Rio Grande do Norte. O Rio de Janeiro também tem o pagamento da dívida suspenso, mas por estar no Regime de Recuperação Fiscal. São, portanto, 17 Estados ao todo que não devem pagar a dívida com a União durante seis meses. Segundo dados do Tesouro Nacional, as prestações dos 17 entes somam R$ 2,85 bilhões, o que corresponde a 98% do que os Estados pagariam mensalmente à União.

Levantamento do Valor com base nos dados de 2019 mostra que dentre os 26 Estados do país, em sete o valor transferido de FPE garante pagamento de mais da metade da despesa corrente e em 12 equivale a mais de 50% dos gastos com pessoal e encargos sociais. Ao mesmo tempo, em seis Estados o valor do FPE paga menos de 10% das despesas correntes. Entre eles, Estados já com situação fiscal difícil, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em Goiás, outro Estado com equilíbrio fiscal delicado, o FPE cobre 10,9% dos gastos correntes. Fora consideradas as despesas liquidadas.

O quadro mostra que garantir os níveis de FPE pode contribuir fortemente para amenizar os impactos do novo coronavírus nas receitas de alguns dos Estados menos populosos e com menor PIB no Norte e Nordeste mas, para outros, a situação é bem mais complicada, avalia o economista Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Manter o nível de valor do fundo não é suficiente justamente para Estados com população maior e por isso, maior necessidade natural de diversidade de serviços públicos. “E há uma coincidência negativa já que nesse grupo estão também os Estados que estão com maior dificuldade em termos de quadro fiscal.”

Já a corrida dos Estados ao Judiciário para suspender o pagamento da dívida mostra a busca por uma medida de efeito mais imediato, diz George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, Estado que na segunda obteve liminar para não fazer o pagamento da prestação à União que vencia no mesmo dia.

O parcelamento prometido pela União, explica o secretário, deve ser incluído no projeto do Plano Mansueto, PLP 149/2019, assim como outras medidas bem-vindas. Mas há, conta, necessidade urgente de receitas para fazer frente à iminente queda de arrecadação em abril e o projeto deve demorar cerca de duas semanas para ser aprovado. De qualquer forma, será importante a aprovação de lei garantindo a suspensão da dívida, conforme o pacote anunciado pela União, para dar segurança jurídica aos Estados. A medida judicial foi procurada também por entes com situação fiscal mais confortável. Espírito Santo, único Estado com nota “A” no rating do Tesouro Nacional, também conseguiu liminar do STF no último dia 30.

Em Alagoas, diz Santoro, tanto a suspensão de dívida quanto a recomposição do FPE são medidas representativas. O repasse do FPE equivale a 54,6% da despesa corrente do Estado e a 79,7% da despesa de pessoal. Mesmo assim, contabilizando o efeito de todas as medidas já anunciadas pelo governo, diz, parte do impacto ainda será suportado pelo Estado, conforme o nível de queda de arrecadação. Por enquanto, se espera redução de 10% na receita de ICMS, segundo Santoro.

O cenário atual, diz Pires, mostra que à frente haverá um desafio substancial aos Estados na saída da atual crise. Será preciso, diz, avaliar a situação para que seja possível a reorganização das finanças. “Em particular na forma como lidar com a questão federativa. Os programas implementados desde 2016 não conseguiram dar uma solução completa ainda”, diz o economista, citando período da última renegociação de dívidas entre Estados e União. Em 2016 a dívida foi renegociada em troca do compromisso dos Estados de obedecer a um teto de gastos primários.

Alguns Estados já estavam com as contas deterioradas do ponto de vista fiscal e passada a crise atual, o problema irá bater no caixa dos Estados e é possível que seja necessária uma nova renegociação de dívidas, diz a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman. Para ela o pacote do governo federal está no caminho certo, mas, com exceção das medidas de transferência direta de recursos para a saúde, h efeito imediato na liquidez.

Ana Carla avalia que não é possível dimensionar neste momento o tamanho do problema fiscal que os Estados poderão ter. “E neste momento a prioridade é a de salvar vidas. Mais tarde é que isso poderá ser contabilizado e aí será preciso um programa de médio prazo para consolidação fiscal dos Estados”, diz ela. Nesse sentido, é importante que medidas como o Plano Mansueto estabeleçam não somente o arcabouço jurídico para as medidas emergenciais como também para o ajuste estrutural que os Estados precisarão fazer.