Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Política, p. A7

Ao contrário do que sugeriu presidente, entidade não mudou

Assis Moreira


A Organização Mundial da Saúde (OMS) não alterou em nada sua posição sobre distanciamento social no combate à pandemia de covid-19. A mensagem foi dada ontem pela vice-diretora da organização, a brasileira Mariângela Simão, enquanto o presidente Jair Bolsonaro mobilizava sua equipe para tentar provar o contrário.

Um levantamento sobre medidas adotadas por vários países mostra que Bolsonaro está isolado na cena internacional na sua política de minimizar a pandemia. Até a Holanda, que apostou no desenvolvimento de uma imunidade coletiva, voltou atrás e endureceu o tom. A Dinamarca adotou duras medidas de controle da infecção que começaram a dar resultado e está afrouxando as restrições.

A nova polêmica patrocinada por Bolsonaro aproveitou declarações do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, feitas na entrevista rotineira da entidade, na segunda-feira.

Tedros respondia a uma jornalista da Índia, país com o maior confinamento do mundo, envolvendo 1,3 bilhão de pessoas. Ela mencionou que o “lockdown” teria levado a uma situação de crise humanitária sem precedentes, com milhões de pessoas migrando de um lado para outro do país. E perguntou qual o conselho da OMS diante dessa situação.

O diretor-geral da OMS respondeu dividindo os países em quatro categorias diante da covid-19: sem casos, com casos esporádicos, com casos localizados e países com transmissão comunitária.

Em seguida, Tedros engatou o discurso de que “talvez alguns países já tenham tomado medidas para distanciamento físico, fechamento de escolas e prevenção de reuniões e assim por diante. Isso pode ganhar tempo, mas, ao mesmo tempo, cada país realmente difere. Alguns países têm um forte sistema de assistência social e outros não”.

E continuou: “Eu sou da África, como você sabe, e sei que muitas pessoas realmente precisam trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário. Os governos devem levar em consideração essa população; se estamos fechando ou limitando os movimentos, o que acontecerá com aquelas pessoas que precisam trabalhar diariamente e que ganham seu pão diariamente?”

Para Tedros, “ cada país com base em sua situação deve responder a essa pergunta. Não estamos vendo isso como um impacto econômico em um país, como uma média de perda de PIB ou as repercussões econômicas. Temos que ver também o que isso significa para o indivíduo na rua e talvez eu tenha dito isso muitas vezes. Venho de uma família pobre e sei o que significa sempre se preocupar com o seu pão diário e isso deve ser levado em consideração”.

Tedros na verdade enviou mensagem para diferentes públicos, num cenário em que procura se equilibrar na corda bamba, atacado na mídia social por suposta proximidade exagerada com a China.

Na mesma segunda-feira à noite as afirmações do diretor-geral da OMS já tinham sido traduzidas para o português e propagadas por grupos defensores de Bolsonaro, segundo fontes que se dizem impressionadas com a rapidez desses movimentos. Na semana passada, esses mesmos grupos bolsonaristas atacavam Tedros.

Ontem cedo Bolsonaro comemorou a fala do diretor-geral da OMS, na qual interpretou uma defesa da política dele.

A OMS, acionada para esclarecer as declarações de seu diretor-geral, levou Tedros a tuitar ontem à tarde algumas frases. Visivelmente fez isso para mostrar que sua preocupação era com populações vulneráveis e não tinha nada a ver com a política minimalista de Bolsonaro.

“Eu cresci pobre e compreendo essa realidade”, tuitou Tedros. “Apelo aos países para que desenvolvam políticas que forneçam proteção econômica às pessoas que não podem aprender ou trabalhar em meio à pandemia. Solidariedade.” E acrescentou: “As pessoas sem renda regular ou qualquer colchão financeiro merecem políticas sociais que garantam dignidade e lhes permitam cumprir as medidas de saúde pública recomendadas.” Certos observadores notam que o mandato de Tedros é para tratar de regulamentos sanitários internacionais. A OMS não determina política de um país, e nem Tedros pode dizer o que uma nação pode fazer.

A OMS diz que não compila o que cada país está fazendo na luta contra a pandemia. Mas o exemplo que seus técnicos têm mencionado nos últimos dias é Seattle, a primeira cidade nos EUA que registrou caso de covid-19. O governo local determinou estrito confinamento da população rapidamente e isso começa a dar resultados.

Em entrevista ao Valor, a vice-diretora da OMS, Mariângela Simão, afirmou a: “Nossa recomendação é a mesma [sobre isolamento] e nosso entendimento é de que fazendo o distanciamento social se pode também sair mais rápido da fase de crise.”

Ela exemplificou que já tem país, como a Dinamarca, que adotou as recomendações de confinamento, pode controlar mais o número de infectados e agora está afrouxando as medidas restritivas.

“O distanciamento social não é só a maneira mais rápida e melhor para sair das restrições, mas também a melhor maneira de prevenção”, disse. “O distanciamento social é extremamente importante [no combate] a uma doença infecciosa. Já está comprovado que a covid-19 pode ser transmitido no período assintomático, quando a pessoa ainda não desenvolveu  nenhum sintoma da doença.”