O Globo, n. 32556, 25/09/2022. Brasil, p. 18

Des­ma­ta­mento é maior pre­o­cu­pa­ção ambi­en­tal

Rafael Garcia


Para 60% dos brasileiros, o desmatamento é o principal problema ambiental do país, seguido da poluição das águas (51%) e das queimadas (42%), revela pesquisa encomendada pelo GLOBO ao Ipec, que entrevistou 2 mil internautas com 16 anos ou mais, das classes A, B e C. Parcelas menores de entrevistados citaram problemas como geração de resíduos (41%), poluição do ar (28%), assoreamento dos rios (21%), mudança climática (18%) e degradação do solo (14%).

Apenas 4% disseram não saber indicar os maiores problemas ambientais. Um sinal de que o nível de escolaridade influencia na consciência sobre os temas mais complexos é que pessoas com ensino superior listaram a mudança climática com mais frequência entre as preocupações (20%), quando comparadas com quem tem apenas ensino fundamental (14%). O GLOBO pediu a três organizações da área ambiental que comentassem o resultado à luz de suas experiências. Foram procuradas a Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne 76 cientistas atuantes nas áreas de ambiente e saúde, a Coalizão Brasil Florestas, Clima e Agricultura, que faz uma ponte entre o setor produtivo e a sociedade civil e o Observatório do Clima (OC), maior coalizão de ONGs ambientalistas do país.

Rastro de fumaça

Para o biólogo e administrador Roberto Waack, que é cofundador da Coalizão Brasil Florestas e integrante do conselho da Marfrig (empresa do setor de carne bovina), a preocupação das pessoas com o desmatamento é decorrência dos dados da destruição de florestas nos últimos anos, tema que tem tido o merecido destaque na imprensa. Segundo o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com 13 mil km² desmatados na Amazônia no ano referência 2020/21, o país teve a maior taxa de derrubada de floresta na região em 16 anos.

Os dados de 2021 e 2022 ainda não foram divulgados. Segundo o sistema Deter, mais impreciso que o Prodes, mas com capacidade de monitoramento em tempo real, o país desmata agora mais rápido do que fez no ano passado. Até o meio de setembro foram registrados alertas de desmatamento em uma área de 7.922 km², contra 8.220 km² em todo o ano de 2021. As queimadas também estão em tendência de alta, ainda que neste ano um efeito La Niña (de resfriamento da superfície do Pacífico) tenha elevado a umidade na América do Sul.

Os focos de fogo na Amazônia neste ano, segundo o satélite Aqua, da Nasa, usado como referência pelo Inpe, já ultrapassaram os 81 mil, contra 75 mil no ano passado inteiro. Com o esvaziamento dos órgãos de fiscalização, como o Ibama, madeireiros e garimpeiros ilegais agem de forma impune até mesmo em unidades de conservação e terras indígenas.

Impacto nas cidades

Os problemas das queimadas e da água, segundo Waack, podem ter tido uma influência mais direta na opinião pública, porque afetam a qualidade de vida também de quem mora em áreas urbanas.

— A água está no espaço em que que a pessoa vive, com o qual ela interage. Se os riachos estão com mau cheiro ou se a pessoa não pode mais ir ao lugar onde costumava se banhar, isso muda muito — explica. Um indício de que as queimadas também estão impactando mais diretamente as pessoas é que na pesquisa Ipec as regiões Norte e Centro-Oeste, com mais cidades afetadas pela fumaça do fogo, o nível de preocupação é maior do que no Sudeste e no Sul.

Falta juntar as partes

Para a ecóloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e coordenadora da Coalizão Ciência e Sociedade, o resultado da pesquisa traz embutida uma percepção de que os assuntos não fazem parte de um todo.

— Apesar da preocupação com o desmatamento, queimadas e poluição da água, não há uma conexão com a preocupação com a mudança do clima, por exemplo — diz. A mudança climática é o hoje um problema ambiental que perpassa todas as preocupações do setor, apesar de não ter sido muito mencionada como uma das principais questões da área para o Brasil. O desmatamento se conecta com o tema porque é hoje a principal fonte de gases de efeito estufa no Brasil.

— É preciso deixar mais claro que a mudança climática é até uma questão de saúde humana — afirma a cientista.

— O mesmo vale para ações de mitigação que reduzam poluentes com enormes benefícios para a saúde e economia. Há um esforço importante a ser feito na área de educação para que as pessoas possam conectar os pontos das influências do ambiente em várias áreas.

Sobrevivência primeiro

Uma segunda pesquisa do Ipec, essa feita presencialmente com 2.000 pessoas de 128 cidades, perguntou quais são os três principais problemas do país. Nesse questionário, as questões ambientais foram citadas por 4% das pessoas (entre os mais jovens o percentual foi de 7%). Ficou atrás de problemas como desemprego (43%), saúde (33%) e educação (28%), mas à frente de outros temas presentes em campanhas eleitorais, como falta de valores morais (3%), déficit da previdência (1%) e intolerância às minorias (1%). Especialistas disseram não estar surpresos com o resultado. Acreditam que isso não se deve um descaso do brasileiro médio com o tema.

— É absolutamente normal porque o que está no topo da lista de preocupação dos brasileiros, como saúde, desemprego, custo de vida e pobreza, diz respeito à sobrevivência das pessoas — diz Astrini, secretário-geral do OC.

O ambientalista, porém, diz que a pesquisa aponta a preocupação de brasileiros com muitos temas influenciados pela degradação do ambiente.

— A questão ambiental precisa ser lida pelos governantes como algo que pode piorar os quadros de sobrevivência. O clima desequilibrado piora as questões da falta de moradia, da pobreza, do desemprego e até da segurança pública —diz.

— Os entrevistados mencionaram como preocupação saneamento básico, por exemplo, que é uma questão de infraestrutura, mas também é ambiental —completa Astrini.

Efeito na urna?

Waack, da Coalizão Brasil Florestas, se mostra cético sobre o potencial que o ambiente tem para mudar o comportamento das pessoas, incluindo a decisão na hora do voto.

— Há uma dissonância enorme entre o que as pessoas falam, porque veem aquilo na TV e nos jornais, e o processamento racional para tomada de decisão — diz o biólogo.

Para Astrini, do OC, apesar de existir ainda uma dificuldade de se trabalhar o tema na opinião pública, está claro que esse é um caminho inevitável. Independentemente do desempenho dos candidatos com plataformas voltadas para o meio ambiente nas eleições do mês que vem, o presidente eleito, seja ele quem for, terá esse tema na lista das prioridades. Na esfera internacional, ele é parte da agenda obrigatória de diferentes instâncias.