Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Política, p. A7

Bolsonaro modera o tom na TV, mas distorce fala de diretor da OMS

Andrea Jubé
Matheus Schuch
Cristiane Agostine
Fabio Murakawa


Uma semana após a polêmica manifestação em que cobrou o fim das medidas de isolamento social, desafiando os governadores, o presidente Jair Bolsonaro voltou a se dirigir aos brasileiros ontem à noite em rede nacional de rádio e televisão. Ele adotou desta vez, um tom moderado, mas distorceu declarações do diretor-presidente da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Gheybresus, para insistir que os brasileiros retomem a rotina de trabalho.

Os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, além de Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, foram ouvidos para a redação final do texto lido ontem pelo presidente. A versão da semana passada em tom de confronto, e que repercutiu negativamente entre os chefes dos Poderes, parlamentares e sociedade civil, passou apenas pelo crivo do chamado “gabinete de ódio” do Planalto.

O Valor apurou que Bolsonaro cogita fazer um terceiro pronunciamento hoje à noite. Suas falas, entretanto, têm sido marcadas por ondas de panelaços em várias capitais e grandes cidades, como São Paulo - em especial, no Ipiranga, Pinheiros, Perdizes e Limão -, Rio de Janeiro, em bairros como Humaitá, Brasília (Asa Sul e Norte) e Belo Horizonte (Anchieta)

 

Pelo menos um terço dos oito minutos de discurso foram dedicados a repetir trechos editados de declarações do diretor-geral da OMS. Bolsonaro ressaltou frases de Tedros como “sei que muita gente precisa trabalhar cada dia para ganhar o seu pão” e “governos devem levar essa população em conta”.

Nas redes sociais, entretanto, Tedros esclareceu que para ajudar os mais vulneráveis, os países devem desenvolver “políticas que forneçam proteção econômica às pessoas que não possam receber ou trabalhar devido à pandemia ”. Bolsonaro disse a jornalistas que Tedros voltou atrás por ter sido citado por ele.

No discurso, Bolsonaro ressaltou que não nega a importância das medidas de prevenção, mas disse que está pensando no “camelô, ambulante, diarista, caminhoneiros”, e outros autônomos com quem mantém contato.

Para que as pessoas voltem ao trabalho, Bolsonaro disse que determinou ao ministro da Saúde a ampliação da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que adotasse medidas para proteger emprego e renda. Ele mencionou a ajuda financeira de R$ 600, mas não explicou como o governo fará para que esse dinheiro chegue na ponta, até o cidadão.

Ao contrário da semana passada, quando entrou em colisão com os governadores, Bolsonaro fez elogio expresso aos gestores estaduais, e agradeceu os profissionais de saúde, os chefes dos demais Poderes, os prefeitos, os parlamentares pela ajuda ao governo no enfrentamento da pandemia do coronavírus.

O presidente disse que “infelizmente teremos perdas neste caminho”. Afirmou que sabe como é doloroso, porque perdeu pessoas pelo caminho. Mas ressaltou que o governo precisa evitar a destruição de empregos.

Ontem o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu o governo de federal de fazer qualquer campanha contra o isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde. A decisão é liminar, isto é, temporária, mas vale enquanto o tema não for discutido pelo plenário da Corte - o que não tem data para ocorrer. (Colaborou Isadora Peron)