Título: Mau sinal
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2005, Opinão, p. A14

O Banco Central erra ao optar por uma redução dos juros demasiadamente gradual. A prudência excessiva, com a qual vem balizando suas decisões para definir a taxa Selic, revela-se especialmente dolorosa, conforme constatou manchete de ontem do Jornal do Brasil. Nem o monumental esforço fiscal conduzido pela equipe econômica impediu o aumento da dívida pública. Em 2005, o passivo do governo cresceu cerca de R$ 127 bilhões, dos quais R$ 114 bilhões se devem aos juros. Mesmo com a redução de 0,5 ponto percentual anunciada na quarta-feira (modesto índice, a despeito dos evidentes sinais de desaceleração da atividade), as taxas ainda elevadas - o maior patamar do mundo - continuarão a pressionar as contas públicas. Uma conta amarga capaz de consumir a disciplina fiscal, restringir as expectativas sobre a economia brasileira e turvar os horizontes possíveis. Convém reconhecer: promoveu-se esta semana a terceira queda seguida da Selic, depois de 17 meses sem redução. O problema, portanto, não é a ausência de redução dos juros. Grave é o ritmo excessivamente tímido. Assim, é possível que o Banco Central esteja mais uma vez desperdiçando uma enorme janela de oportunidade, semelhante ao equívoco cometido no fim de 2003, primeiro ano do mandato do presidente Lula. Naquele momento, deixou-se contaminar por previsões sombrias, que não se confirmaram. Hoje, a desaceleração em curso permitiria reduções mais corajosas - sem perder o norte da responsabilidade e sem arranhar o objetivo do Banco Central: o cumprimento das metas de inflação para este ano. (Tarefa, ressalte-se, desempenhada com especial competência.)

No mesmo dia, contudo, em que timidamente se reduziram os juros, o Credit Suisse First Boston, uma das instituições com maior nível de acerto nas previsões macroeconômicas, diminuiu para apenas 2,5% a estimativa de crescimento da economia em 2005. A MCM e a Tendências, duas consultorias brasileiras, também baixaram o horizonte das expectativas. Pífio resultado para um ano que prometia vôos mais notáveis. Fruto do efeito conjugado de juros altos e crise política. Se confirmada a expansão do PIB de apenas 2,5%, por exemplo, a economia brasileira poderá ficar dois pontos percentuais abaixo da média de crescimento dos países da América do Sul e mais de um ponto abaixo da média de todo o continente latino-americano, segundo relatório do Fundo Monetário Internacional. Com isso, abre-se a porteira das queixas promovidas pelas cassandras habituais em relação à política econômica e ao Banco Central. Um risco.

A tais dilemas adicione-se o crescente esfacelamento da perspectiva de um BC independente de fato e de direito. Diante dos descompassos entre as decisões do Banco, os anseios do setor produtivo e as evidências de oportunidades perdidas, aos poucos some a possibilidade de uma mudança que traria ganhos substantivos na percepção dos investidores internacionais sobre o país. Mais: esses problemas emitem um preocupante sinal ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Afinal, o conduzem ainda mais ao centro das reclamações vigentes. O superávit primário elevado, constata-se, não tem sido suficiente para repor a dívida pública em uma trajetória ''cadente''. Há correções a fazer na política fiscal, é certo, mas convém estar atento à política monetária, sob pena de inutilizá-la frente à força inesgotável dos juros altos.