O Globo, n. 32557, 26/09/2022. Economia, p. 12

Preço menor impulsiona demanda por solar e eólica

Glauce Cavalcanti
Bruno Rosa


A transição energética e o uso de práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) como balizadores para precificação e investimento são outros fatores de destaque no tabuleiro em que avançam fontes solar e eólica, embora o financeiro seja apontado como o maior trampolim para a demanda.

Ao todo, o Brasil tem 22 gigawatts de potência instalada no setor eólico, ou 12% do total no país, com 812 parques. A previsão da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) é saltar para 37,09 gigawatts até 2026.

— Empresas de energia estão incluindo renováveis em seus portfólios. A demanda é crescente pela transição energética e a oportunidade econômica. Mas a indústria quer reduzir custo. O ESG é importante, mas fator secundário. O principal é preço. Felizmente, além do benefício econômico, a solar tem o ambiental — diz Rodrigo Sauaia, CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Mais em conta que térmicas

Ele destaca que a energia solar pode custar um décimo do preço de uma termelétrica em uso emergencial. No leilão de contratação de energia da Aneel do tipo A-4 (que contrata projetos para quatro anos depois) realizado em maio, o preço do megawatt/ hora para solar foi de R$ 178,24; para eólica, de R$ 179,30/MWh. Para pequenas centrais hidrelétricas, R$ 281,65/MWh e das termelétricas, R$ 314,93 MW/h.

Outro motor de aceleração da oferta é a demanda do mercado livre — em que consumidores, principalmente empresas, podem comprar energia diretamente de geradoras, em alternativa ao mercado regulado que atua via distribuidoras. O mercado livre já responde por 38% do consumo do país.

Da nova potência em operação este ano, mais da metade (55,6%) estará no mercado livre. Em 2023, essa fatia vai subir para 78,6% do previsto.

Para Clarice Ferraz, diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), a aceleração de projetos tem a ver ainda com o perfil de novos agentes nesse mercado, como bancos e pequenas comercializadoras de energia, que miram resultado mais rápido.

Aurélien Maudonnet, CEO da Helexia Brasil, diz que pesa a desvalorização cambial:

— Os investidores estão buscando projetos. Nunca recebi tanta ligação de fundos de investimento e bancos. Há uma obrigação aos acionistas por pressão dos consumidores.

A Helexia planeja investir R$ 500 milhões em projetos de energia solar distribuída nos próximos anos. A subsidiária no Brasil já tem cem megawatts em projetos de solar (em geração distribuída) a serem executados. Além disso, prevê mais 300 megawatts para os próximos anos.

Maudonnet cita um acordo recente para produzir ao todo 87 megawatts de energia solar com o objetivo de abastecer parte das unidades da Vivo, do grupo Telefônica, no Brasil:

— Em 12 anos, a capacidade solar instalada (com projetos na França) foi de 84 megawatts. E a Helexia assinou com a Vivo um projeto solar para 87 megawatts. Em um contrato no Brasil você iguala a capacidade instalada acumulada na França. Esse efeito de escala não pode ser subestimado.

Clarice alerta haver um paradoxo nesse cenário:

— O setor elétrico tem de ser planejado como um todo para garantir operação se não houver vento ou sol, sobretudo no Nordeste. Tínhamos uma ótima condição nessa complementação pelo estoque regulador de reservatórios de hidrelétricas da Eletrobras. Com a privatização, isso fica na mão de um único agente — diz ela. — Outra coisa é que as térmicas estão passando na frente no uso das linhas de transmissão. Então, além da alta de preço, vamos na direção oposta de descarbonizar a matriz.

Daniel Gallo, CEO da brasileira Renova Energia, com perto de 7 gigawatts em capacidade, sendo 80% em eólica, frisa a força do mercado livre:

— O mercado livre puxa o avanço porque passou a ser boa alternativa para quem quer luz mais barata e sustentável. Muitas empresas querem estar nele, incluindo grandes como a Ambev. Há esforço de descarbonização da produção no centro do ESG.

Geração própria avança

Vista como um promissor em renováveis no país há mais de uma década, a Renova entrou em recuperação judicial em 2019. Em reestruturação, concluiu o Complexo Eólico Alto Sertão III Fase A (com 437,4 MW de capacidade), na Bahia; vendeu ativos e mexeu no controle, com o desembarque da Cemig e a entrada de um fundo da Angra Partners. A dívida atual é inferior a R$ 1 bilhão, um terço da que levou ao pedido de proteção à Justiça.

— O foco é crescer e sair da recuperação até o segundo trimestre de 2023 —diz Gallo.

O setor solar bateu 6,1 gigawatts em usinas de grande porte. E deve chegar a 7,7 GW até o fim do ano, desempenho recorde, diz a Absolar. Contando a geração própria, em telhados, fachadas e terrenos de pequenos negócios, empresas e residências, o total já alcança 19 gigawatts, diz Sauaia:

— A partir de 2020, a geração própria ultrapassou a potência instalada das grandes usinas. Hoje, soma dois terços da energia solar no país.