O Globo, n. 32557, 26/09/2022. Mundo, p. 21

Inédito desde a 2° guerra



A extrema direita conquistou ontem uma vitória histórica nas eleições legislativas da Itália, a terceira maior economia da União Europeia (UE). Giorgia Meloni, do partido Irmãos da Itália (FdI, na sigla em italiano), deve se tornar a próxima premier à frente de uma coalizão de direita que vai comandar a Câmara e o Senado, na primeira vez em que o país será governado por uma liderança de raízes pós-fascistas desde 1945. A centro-esquerda já reconheceu a derrota.

— Uma indicação clara veio dos italianos: um governo de centro-direita liderado pelos Irmãos da Itália. Os italianos terão um governo para uma escolha clara—afirmou Meloni, em declarações na sede da campanha em Roma. — Este é o momento de responsabilidade, porque a Itália nos escolheu e não vamos traí-la, como nunca o fizemos.

O FdI obteve 26% dos votos, tornando-se a principal sigla do país, mostraram resultados parciais divulgados ontem à noite. O partido formará uma coalizão com a também radical Liga, de Matteo Sal vini, que obteve 9%, e com a centro-direitista Força Itália, de Silvio Berlusconi, que ficou com 8% dos votos. Como o sistema italiano favorece coalizões, os três partidos podem somar até 257 cadeiras na Câmara ,56 a mais do que o necessário para ter maioria, e 131 no Senado ,30 a mais do necessário. Com isso, a coalizão não precisará negociar com outros partidos e blocos para aprovar pautas e, especialmente, para confirmar Meloni no cargo.

“Se trata de um resultado histórico. A coalizão de direitas pode ter obtido o maior percentual de votos jamais registrado por partidos de direita na História da Europa Ocidental desde 1945”, afirmou, em nota, o centro de estudos italiano CISE, ainda com base nas pesquisas de boca de urna.

O Partido Democrático, de centro-esquerda, terá 20%, seguido pelo antissistema Movimento Cinco Estrelas (M5S), com 15%. Os números parciais mostram que o comparecimento foi de 64,6%, quase dez pontos percentuais a menos do que em 2018 (73,68%).

A força da votação do FdI também serve para fortalecer a provável premier e confirma que ela “roubou” votos dos demais partidos de direita: em 2018, sua legenda teve apenas 4,4% dos votos. Já a Liga perdeu espaço, ficando longe dos 17,4% de 2018, quando chegou a ter a segunda maior bancada. O Força Itália também teve números bem piores do que os da última eleição, quando obteve 14% dos votos válidos, mas em rápidas declarações ao site LaPresse, Berlusconi se disse “satisfeito” com os resultados, afirmando que o objetivo do partido “era ser determinante”.

— Sem dúvida não podemos, à luz dos dados vistos até agora, não atribuir a vitória à direita liderada por Giorgia Meloni. É uma noite triste para o país — disse a líder do Partido Democrático na Câmara, Debora Serracchiani, em entrevista coletiva. — Com essa lei eleitoral, a direita tem maioria no Parlamento, mas não tem maioria no país.

As eleições foram as primeiras após a aprovação de um corte no tamanho do Legislativo: a Câmara passou de634ca dei raspara 400, enquanto o Senado também sofreu redução de cerca de um terço, passando ater 200 cadeiras. O sistema de votação é misto, com parlamentares eleitos em disputas diretas e através de votação proporcional.

Meloni deve assumir o governo de um país que teve a recuperação econômica pós Covid abalada pela crise energética envolvendo a guerra na Ucrânia, com forte alta de commodities de energia e o risco real de escassez nos meses de inverno.

Desafios

Um ponto crucial do novo Gabinete será a execução do plano elaborado em parceria com a UE, nova lorde €200 bilhões( R$ 1,02 tri ), e que exige a adoção de reformas no Estado — o tema deve provocar atritos na nascente coalizão, uma vez que Meloni sugeriu que vai rever algumas das promessas firmadas pelo premier tecnocrata Mario Draghi, enquanto o Força Itália quer que os compromissos sejam executados em sua totalidade.

Há divergências também sob reprogramas de assistência às famílias: Meloni é contra a adoção de um programa de € 30 bilhões (R$ 152 bilhões) para que o Estado assuma dívidas e ajude famílias e empresas apagar suas contas de gás, uma proposta defendida publicamente por Salvini ( e que levou a uma ríspida discussão entre os dois ). A provável premier segue posições similares às de Draghi na economia, recusando-se a elevar o débito do país e pressionando por medidas de controle dos preços do gás.

Ainda sobre as relações coma UE, Meloni vem sinalizando que não tentará criar ou acirrar tensões: em artigo publicado no mês passado, ela disse que trabalhará “em conformidade com os regulamentos europeu sede acordo coma Comissão [ Europeia ]”. A posição é bem distinta da promovida pela deputada no passado, quando disse, em 2020, que “os tecnocratas” da UE queriam um impor “um plano soviético para destruir identidades nacionais e regionais”.

Meloni também não defende grandes guinadas na política externa: ela é a favor da Otan, aliança militar liderada pelos EUA, e defende a adoção de sanções contra a Rússia, ao contrário de Salvini, que já chegou a usar uma camiseta com o rosto de Vladimir Putin e faz repetidas críticas às medidas contra Moscou. Berlusconi, um velho amigo do líder russo, disse que Putin “foi empurrado” para a guerra, mas repetidas vezes condenou o conflito no Leste Europeu.

Agora, fica a expectativa sobre a formação do novo governo e por quanto tempo ele vai permanecer em pé: nos últimos 75 anos, houve 67 governos, com um mandato médio de 14 meses para cada um.