Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Opinião, p. A12

Luta contra covid-19 segue, sem e apesar de Bolsonaro



O presidente Jair Bolsonaro não foi infectado pelo coronavírus, mas o comportamento de parlamentares, governadores e ministros é o de como se ele tivesse sido - um prudente afastamento. O presidente está sendo isolado e em breve estará falando sozinho nos corredores do poder, à espera de que sua turma nas redes sociais ainda o escute com atenção.

O afastamento, como no caso do coronavírus, é uma estratégia de defesa. O ministro da Saúde, Luiz Mandetta, segue em frente com a única estratégia sensata e científica disponível para o país - que não possui insumos suficientes para testes em massa. O ministro Paulo Guedes acordou para a necessidade de criar uma rede de proteção social à altura da devastação econômica que a covid-19 provocará e o Congresso acelerou e aperfeiçoou as medidas que estão prestes a ser executadas. Diques de defesa na saúde e na economia estão sendo levantados em uma união de esforços. Só o presidente da República age como se tudo isso fosse bobagem.

Bolsonaro se elegeu por um partido inexistente, que se tornou o segundo maior da Câmara, mas brigou com ele. Só entrou na discussão da reforma da Previdência para aprovar benefícios a militares e policiais. Sentou em cima da importante PEC emergencial, que, como o nome diz, era urgente e prioritária. Brigou com os presidentes da Câmara e do Senado, e participou de manifestação contra o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal já com o Brasil hospedando o coronavírus e contra recomendação do ministro da Saúde.

O presidente reuniu ministros no Planalto, no sábado, para unificar o discurso de enfrentamento da pandemia. No dia seguinte, foi passear pelo comércio das cidades satélites de Brasília e usar sua ignorância como arma de propaganda. A todo momento, Bolsonaro ameaça assinar um decreto para acabar com o confinamento e colocar todos de volta ao trabalho, em plena curva ascendente da covid-19 no país.

Anteontem, enquadrou as entrevistas conduzidas por Mandetta e seus técnicos sobre o andamento das ações contra o vírus. Cercou o ministro da Saúde com militares de seu ministério (com exceção de Ônyx Lorenzoni) e pôs Mandetta para falar por último. O ministro Braga Netto (Casa Civil) apropriou-se da resposta a uma pergunta sobre a demissão de Mandetta e disse que o governo não cogitava dela “no momento”. Da entrevista, soube-se menos sobre a luta contra o coronavírus e mais sobre a guerra intestina no governo promovida pelo presidente.

Com isso, mais gente sai de perto de Bolsonaro. O ministro Sergio Moro, na ponta dos pés, começou a distanciar-se de Bolsonaro e Bolsonaro a reclamar dele por não defendê-lo. Paulo Guedes disse que, “como pessoa” preferia ficar em casa - presume-se que a pessoa do ministro também. Os líderes do governo na Câmara, Eduardo Gomes (MDB-TO) e no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), se uniram para defender em nota o distanciamento social no combate à pandemia. O presidente do STF, Dias Toffoli, fez o mesmo.

Diante de uma devastadora crise, o presidente resolveu desacreditar o que seu próprio governo faz, assediar o ministro da Saúde e entrar em guerra com quem não compartilha sua visão tacanha do mundo e da política. Para deter o controle que lhe escapa, Bolsonaro, via Casa Civil, ordenou que todas as notas sobre a pandemia saídas dos ministérios terão de obter aval do Planalto. As entrevistas de ministros sobre o assunto terão de ser feitas no Planalto, em coordenação com a Secom, dirigida pelo infectado pelo coronavírus Fábio Wajngarten. Teme-se agora pela qualidade das informações públicas.

Em nenhum momento até agora o presidente da República demonstrou a menor preocupação com a saúde alheia, porque ele acha que não existe ameaça. Mandatários de outros países estão ganhando popularidade pela determinação de combater a pandemia e diminuir o quanto for possível o número de mortes. Bolsonaro projetou-se, em um mundo que tinha até ontem mais de 41 mil mortos, como um dos líderes mais irresponsáveis do planeta.

Bolsonaro acha que com atitudes deploráveis como as que toma se sairá bem de um jeito ou de outro. Se a pandemia for domada, e com poucos mortos, seu governo levaria a fama. Se o caos se instalar após ou durante a quarentena, aparecerá como o único isento de responsabilidade por ter se insurgido antes. Corre o risco de ter impedido o salvamento de milhares de vidas e ser culpado pelo desastre que pode se seguir.