Brasil tem recorde de cassações
Mariana Caetano

Liège Albuquerque

Elder Ogliari

O Estado de São Paulo, n. 40773, 05/06/2005. Nacional, p. A12

Oito meses depois, as eleições não terminaram em parte do País. Volume recorde de cidades ainda não sabe ao certo, de fato ou de direito, quem deverá administrá-las. O Judiciário é incapaz hoje de informar quantas são, mas o número de prefeitos eleitos e cassados supera uma centena. Eram 114 na semana passada. Nunca houve tantas cassações, reconhece o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Velloso. "A vida dos infratores está mais apertada", diz. Há 2 mil recursos no tribunal. Tratam de vários tipos de pendências - multas, propaganda irregular, por exemplo, e cassações. Desde outubro, 21 municípios já tiveram de voltar às urnas. Hoje será a de Vale do São Domingos (MT). Não há dados sobre eleições repetidas nos últimos 4 anos, mas funcionários do TSE confirmam de novo o recorde, mesmo que pequeno no universo de 5.562 cidades brasileiras.

Novas condenações pipocam - outras são revogadas - quase todos os dias nas três instâncias da Justiça Eleitoral, que completa 60 anos desde a reinstalação depois do Estado Novo (1937/1945). Anteontem, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio cancelou o diploma do prefeito de Resende, Silvio de Carvalho (PMDB). Ele participou de inaugurações de obras de assistência social do governo do Estado. Vai recorrer no cargo, ao contrário do que aconteceu em cidades como Mauá (SP), onde o presidente da câmara municipal assumiu a prefeitura. Há também segundos colocados empossados diante do impedimento dos vitoriosos, como em Mandaguari (PR).

"É o amadurecimento da legislação", comemora o presidente do TRE de São Paulo, desembargador Álvaro Lazzarini. Sozinho, o tribunal paulista promoveu até agora 42 cassações. Os motivos: abuso de poder econômico e político, uso da máquina administrativa, compra de votos. Este último ainda dá o que falar. O Senado deve voltar ao tema nesta semana (ver página A13).

Esta foi a segunda eleição municipal regida pela Lei Eleitoral n.º 9.504, de 1997. "Até então, havia uma lei para cada eleição", lembra Velloso.

Para quem há alguns anos, antes especialmente das regras sobre captação de sufrágio aprovadas em 1999, poderia terminar seu mandato sem ver julgada a ação que lhe apearia do cargo, a Lei já mostrou a que veio. E está sujeita a abusos, avaliam advogados que atuam na área e políticos. "A lei sobre compra de votos é positiva, mas a Justiça precisa estar muito atenta a armações, que não faltam", diz o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski. "Pode haver um tumulto desnecessário na administração das cidades." Para o senador César Borges (PFL-BA), ao determinar a cassação imediata por compra de votos, sem o julgamento de recursos, a lei pode "violentar" a vontade popular.

O presidente do TSE não vê exageros. "Há desconforto para alguns municípios, mas é consequência da Lei", diz Velloso.

O Instituto de Direito Político e Eleitoral teme uma certa "vulgarização" das cassações. "Advogados eleitorais têm uma crítica generalizada de que vários ilícitos com gravidade muito diferente são tratados com o mesmo rigor. A jurisprudência hoje não distingue em termos de consequência os pecados veniais dos capitais", declara o presidente do instituto, Ricardo Penteado. Não se trata de afrouxar as regras, explica, mas ele acredita que o TSE pode unificar critérios e vigiar eventuais abusos.