Valor
Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Política, p. A9
“É
New Deal agora e Plano Marshall na saída”, diz Mercadante
Malu
Delgado
A pandemia do coronavírus tem levado a convergências políticas até poucos meses
inimagináveis num país polarizado como o Brasil. Pelo menos duas ações
aprovadas até agora no Congresso - o seguro de R$ 600 para os trabalhadores
informais e a distribuição de alimentos da merenda escolar a quase 39 milhões
de crianças e adolescentes da rede pública de ensino - são fruto de um
amplo debate entre partidos de esquerda e centro, preocupados com a falta de
comando nacional. Muitas dessas propostas de políticas públicas brotaram da
Fundação Perseu Abramo (FPA), a instituição criada pelo PT em 1996 para
pesquisa e formação política. Agora comandada por Aloizio Mercadante,
ex-ministro da Casa Civil e da Educação no governo Dilma Rousseff, a fundação
vai se dedicar integralmente à formulação de políticas públicas e saídas para a
crise.
Após um longo
período de reclusão assim que foi concluído o processo de impeachment de Dilma
Rousseff, e alvo de muitas críticas sobre a condução política num governo que
desmoronou sem apoio do Congresso, Mercadante adota hoje um tom moderado e
sereno, e ressalta a necessidade de manter o diálogo em curso com “liberais
e conservadores” para enfrentar a covid-19. Mas não deixa de demonstrar
total perplexidade com o presidente Jair Bolsonaro. “Uma coisa que aprendi na
vida pública é que quando você cai num buraco, a primeira coisa que tem que
fazer é largar a pá e parar de cavar. A sensação que eu tenho, do Bolsonaro, é
que ele largou a pá e pegou uma retroescavadeira”, disse ao Valor.
O Brasil,
segundo ele, tem uma situação de fragilidade ímpar porque enfrenta agora quatro
crises que se retroalimentam: a de saúde pública, a econômica, a financeira
(que virá a seguir) e a política, com a instabilidade constante provocada por
Bolsonaro, “um presidente com comportamento insano”, para quem ele até faz
uma rima: “o terraplanista sanitário cada vez mais solitário”. Ele diz não
saber como as instituições vão equacionar o fator Bolsonaro. “A precariedade
deste governo está ficando absolutamente transparente. E não é só a oposição e
a esquerda que reconhecem isso. Há setores liberais indignados com essas
atitudes do presidente.”
Mercadante
evita falar sobre articulações políticas em curso e sobre um eventual
impeachment de Bolsonaro. Mas deixa claro que há algo novo no ar. “Estamos
abertos a dialogar com quem tiver interesse, na academia e fundações
partidárias, para buscar respostas. No fundo, é o seguinte: precisamos de
uma frente ampla para enfrentar essa crise e sustentar a democracia no Brasil.
E precisamos de uma frente de esquerda para mobilizar e defender os setores
populares, os direitos, e pensar eleitoralmente o futuro. São níveis de
articulação que precisam se complementar.”
O foco da FPA,
que Mercadante comandará por quatro anos, é discutir saídas emergenciais para a
crise e, depois, propor alternativas de recuperação econômica. Economista,
autor de ideias controversas, como a decisão histórica do PT de se opor ao
Plano Real em 1994, ele assegura que há dois caminhos para mitigar os efeitos
da catástrofe mundial provocada pelo coronavírus: “É New Deal agora e, na
saída [quando se iniciar o processo de recuperação econômica], Plano Marshall”.
“Estamos
estudando 24 horas por dia, fazendo videoconferências, e oferecendo
alternativas ao país. Não é simplesmente ficar fazendo discurso e disputa
política. A disputa política sempre vai existir, mas neste momento o que
está em jogo é a vida e sobrevivência das pessoas, de empresas e de
instituições.” O PT oferece auxílio de seu corpo técnico inclusive para debater
saídas com o atual governo, diz Mercadante, citando como exemplo o pagamento
emergencial do seguro de R$ 600 para a população mais necessitada.
Prestes a
completar 66 anos, Mercadante passou os últimos 26 anos acompanhando a
realidade social das favelas de Heliópolis, em São Paulo. Ele viu com apreensão
o calendário apresentado pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM), que
prevê o pagamento aos trabalhadores informais e vulneráveis somente a partir do
dia 16 de abril.
“Estamos
totalmente disponíveis para ajudar nisso, na parte técnica. Nossa
responsabilidade é essa, solidariedade, e salvar vidas. Precisa fazer online,
com agilidade, na ponta.” A maioria das pessoas tem WhatsApp nas periferias, e
um comunicado geral sobre cadastro pode ser distribuído pelo governo, sugere.
Além do Cadastro Único e dos dados do Bolsa Família, o governo tem como
fazer um rápido cruzamento de dados do Relatório Anual de Informações Sociais
(Rais) com cadastros de MEI, checando o volume de trabalhadores informais e
autônomos.
Logo após o
impeachment de Dilma, a fundação criou os Núcleos de Acompanhamento de
Políticas Públicas (Napps), para cada área de governo. Agora, Mercadante
anuncia a criação do Observatório do Coronacrise, destinado a elaborar
propostas alternativas de políticas públicas. “Queremos unir a experiência
internacional, boas práticas que estão sendo feitas por secretarias estaduais,
e tratar mais sobre esse ponto de vista de propostas de políticas públicas
inovadoras.” Ele enfatiza o diálogo positivo da oposição com os presidentes
Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, ambos do DEM, e enfatiza
que a paternidade de projetos, nesta crise, é algo irrelevante, e as
construções precisam ser coletivas, algo que o governo federal parece não assimilar.
Os dois
núcleos com maior demanda atual são os de saúde e economia. No Napps de
economia, segundo ele, mais de 50 profissionais estão se reunindo diariamente
para debater medidas que seria aplicáveis e necessárias ao Brasil hoje. Além do
auxílio emergencial aos informais e mais vulneráveis e à distribuição da
merenda escolar mesmo aos que estão sem aulas, há outros dois eixos de
ação defendidos pela FPA, diz Mercadante.
Um deles é
criar uma política agressiva de capital de giro, de R$ 300 bilhões, coordenada
pelo Banco Central, aos setores econômicos impactados pela quarentena. As
linhas de crédito teriam carência de 24 meses, com 60 meses para pagar,
com juros da Selic mais 0,5% de taxa de administração. A outra frente é o
programa “Ninguém demite ninguém”, em que o Estado complementa os salários dos
trabalhadores, para evitar demissões em massa. O custo do programa seria de R$
34 bilhões ao mês.