Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Especial, p. A14

Hesitação mostra regras descalibradas para crise

Fabio Graner


O ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou ontem que, mesmo com decretação de calamidade e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) eliminando algumas exigências fiscais, as ações dele e sua equipe ainda estão sob o temor de futura responsabilização por
descumprimento de regras fiscais. Guedes vinculou o pagamento do benefício extraordinário de R$ 600 a encontrar fontes orçamentárias e pediu a aprovação da PEC Emergencial para agilizar isso.

Um interlocutor do governo explicou que a menção do ministro a esse dispositivo é porque ele retiraria a obrigação de se cumprir a “regra de ouro” das contas públicas, que proíbe o país de se endividar para fazer gastos correntes, e desvincularia fontes de recursos para o pagamento de despesas. Isso porque a edição de créditos extraordinários, ainda que drible o teto de gastos, não liberaria de outras obrigações, na visão de pelo menos uma parte da equipe econômica. Na prática, isso deve constar da PEC do “Orçamento de Guerra”, que está sendo desenhada entre governo e Congresso. pelo menos uma parte da equipe econômica. Na prática, isso deve constar da PEC do “Orçamento de Guerra”, que está sendo desenhada entre governo e Congresso.

Nesse quadro, a postura titubeante de Guedes indica que as regras fiscais brasileiras não estão adequadamente desenhadas para fazer frente a uma emergência como a atual. Em especial em um país com a memória ainda fresca de um impedimento de uma presidente da República por questões fiscais.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, no entanto, aponta que o problema não estaria nas regras fiscais. “É falta de saber como usar”, disse. No seu entendimento, o decreto de calamidade pública, ao permitir que não se cumpra a meta fiscal, na prática já coloca o endividamento como fonte para as despesas feitas nesse período.

Ele também defende que o governo explicite o quanto precisará para agir e reforça necessidade de se garantir a transparência da ação governamental na crise.

Salto lembra que o governo ainda dispõe do instrumento de edição de créditos extraordinários para não ter que cumprir o teto de gastos e garantir a inclusão dessa despesa no orçamento. “Não precisa de nenhum mudança legislativa. A fonte orçamentária é dívida. É preciso deixar de lado o liberalismo. Agora é melhor ter atuação eficiente do Estado”.

Outros analistas apontam que bastaria ao governo pedir ao Congresso para descumprir a regra de ouro, o que poderia já ter ocorrido há um mês, e executar a despesa.

Seja qual for a razão, a demora custa caro para quem mais está precisando do dinheiro.