Título: Herança política extrapola fronteiras
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/2004, Internacional, p. A9
Disputa pelo poder palestino envolve nacionalistas, islâmicos e decisões dos governos israelense e americano
O testamento político de Yasser Arafat é típico do seu tempo. A herança é de uma complexa rede de poder que vai das ruas de Ramala e de Gaza até os salões da Casa Branca, dilui as fronteiras do interno e do externo e questiona, mais uma vez, o papel do Estado, com o conflito entre a secularidade e a sacralização. Para os herdeiros, ficam o embate de três forças predominantes da política palestina e um dilema para os governos israelense e americano.
- A grande questão hoje para Israel e para a política israelense é se deve dar um passo à frente, aproveitar o momento e tomar iniciativas que possam gerar um ambiente mais produtivo ou se deixa para ver o que vai acontecer em Ramala - afirmou, ao JB, o professor Noam Kochavi, da Universidade Hebraica, em Jerusalém. - Este é o grande dilema gerado com a morte de Arafat e ninguém sabe muito bem o que fazer. As opiniões estão divididas - completou.
O problema diz respeito à liderança palestina. Com a morte de Yasser Arafat, a velha-guarda nacionalista assumiu o poder, mas interinamente. Mahmoud Abbas e Ahmed Qorei são os que vão dar as cartas por enquanto. O primeiro assume a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e cuidará das negociações internacionais. O segundo será responsável pelo dia-a-dia da administração da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Pela lei, eles têm até 60 dias para realizar eleições nacionais.
Israel vê com bons olhos o atual comando palestino. Abbas e Qorei são políticos moderados que historicamente se posicionaram contra o terrorismo. O problema é que os dois não gozam de muita legitimidade interna e não vão conseguir governar, nem até as eleições, se não puderem negociar o apoio dos jovens nacionalistas, entocados na Fatah. O braço político e militar da OLP tinha Arafat como presidente.
- No longo prazo, a velha-guarda tem poucas chances de permanecer no poder. A não ser que consiga formar uma coalizão com os jovens nacionalistas, organize eleições e receba apoio de Israel e dos Estados Unidos - afirma Khalil Shikaki, diretor do Centro Palestino de Pesquisa e Política, em Ramala. - Se nada disso ocorrer, a futura liderança será decidida pelos jovens nacionalistas e pelos islâmicos radicais.
É aí que entra o nome de Marwan Barghouti. O líder mais popular entre os jovens nacionalistas poderia unir forças com a velha-guarda e controlar o crescimento dos islâmicos radicais, do Hamas e da Jihad, que são contra um estado secular na Palestina. Mas Barghouti está preso em Israel e condenado a várias penas perpétuas pela Justiça israelense.
- Uma coalizão nacionalista seria possível se Israel soltasse Barghouti. Com Abbas, Qorei e Barghouti, os nacionalistas teriam uma chance nas eleições e depois do pleito, formando um governo de coalizção com os independentes, enquanto os islâmicos estariam na oposição - explica Shikaki. - Muitos em Israel e na Casa Branca pensam que, sem Arafat, e com Abbas e Qorei no poder, as eleições podem ser arriscadas. O medo é que, com o pleito, a velha-guarda fique enfraquecida, os jovens militantes ganhem o poder e os islâmicos participem com expressão do novo governo. No entanto, o fato é que tudo isso vai acontecer de verdade se não houver eleições.
O dilema é que um resultado favorável para a velha-guarda pode passar por decisões em Tel Aviv e em Washington. Segundo Shikaki, é preciso que Israel liberte Barghouti, cesse com os assassinatos seletivos de palestinos, pare com a construção de assentamentos e não faça incursões militares nos territórios.
- Ariel Sharon não parece muito entusiasmado com a idéia de promover gestos de boa vontade - afirma o professor Kochavi. - No entanto, o fato de que as opiniões estão divididas, mesmo no governo, mostra que, ao menos, algumas pessoas estão pensando nisso.
Para completar, ainda há o problema do tempo. Sem Barghouti, os jovens nacionalistas já elegeram o novo líder da Fatah. Farouk Kaddoumi é um membro da linha-dura palestina. Como vice de Arafat na facção, rejeitou os acordos de Oslo selados com Israel dez anos atrás e permaneceu no exílio como forma de protesto às negociações de paz.