Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Finanças, p. C1

Risco e demanda em alta encarecem linhas de crédito

Talita Moreira
Juliana Schincariol 


Uma grande empresa de alimentos de capital aberto, com parte da receita atrelada a exportações, viu o prazo de suas linhas habituais de crédito encolher, enquanto as taxas de juros subiram nas últimas semanas. O custo de uma operação feita com quatro bancos nacionais e estrangeiros subiu de CDI mais 1,3% ao ano para CDI mais 4% ao ano, com vencimento em 12 meses.

A Hollytec Metais, fornecedora de vergalhões de cobre e fios de cobre e de alumínio esmaltado, também viu o custo de suas operações financeiras dar um salto com a crise do coronavírus. Com sede em Guarulhos (SP), a empresa costumava descontar seus recebíveis em fundos de direitos creditórios (FIDCs) com taxas de 1,1% a 1,6%, mas agora o patamar subiu para 2% a 2,5%. Além do custo maior, houve uma onda de prorrogações dos vencimentos dos títulos, sobre as quais também incide uma taxa, afirma Hollywood Silvestre Filho, conselheiro da Hollytec.

Companhias de diversos segmentos e tamanhos vêm enfrentando mais dificuldade para tomar crédito desde que a crise do coronavírus desembarcou no Brasil. A oferta de recursos diminuiu e, dependendo do setor, os juros subiram dentro e fora do sistema bancário, segundo relatos de executivos de empresas feitos ao Valor sob a condição de anonimato.

A situação é mais delicada nos setores mais afetados pela paralisação das atividades, como varejo, serviços e companhias aéreas. O movimento reflete uma disparada dos riscos para os bancos e investidores do mercado de capitais, além de uma alta nos custos de funding e de capital.

Embora o Banco Central (BC) tenha atuado para dar mais liquidez ao sistema, os credores se mantiveram muito retraídos porque nenhuma das medidas atacava a questão do risco de crédito. “Você emprestaria hoje seu dinheiro para algum desses setores?”, questiona uma fonte próxima aos bancos. “Junto com um aumento do desemprego e queda na renda deve vir um aumento da inadimplência de forma geral.”

Esse fator só começou a ser abordado no fim da semana passada, quando o governo e bancos fecharam acordo para criação de uma linha de crédito à folha de pagamento de pequenas e médias empresas. Pelo desenho, o Tesouro Nacional absorverá 85% da inadimplência. A expectativa de fontes ligadas a instituições financeiras é que, com isso, se crie um ambiente mais seguro para a concessão de recursos.

Em mercados como Estados Unidos e Europa, o mercado de crédito também travou com os receios atrelados ao coronavírus, e só melhorou quando Estado e bancos centrais entraram no risco. Só que lá a resposta do governo foi mais rápida.

Além do aumento do risco, outros fatores contribuíram para pressionar as taxas. Um deles foi o aumento na demanda das grandes companhias por crédito. Essas empresas vinham se financiando no mercado de capitais, que fechou diante da crise. Com isso, muitas passaram a procurar os bancos em busca de linhas para reforçar o caixa. Essa corrida pressionou a liquidez das carteiras voltadas ao segmento de grandes corporações, levando a uma elevação de preços.

Numa grande instituição financeira, a produção de crédito do “large corporate”, segmento que abriga os maiores clientes, está quatro vezes maior do que um mês atrás. Além disso, uma das referências de preço é o mercado secundário de renda fixa, onde as taxas subiram de CDI mais 1% para CDI mais 3% ou 4%.

Outro fator que tem pesado no crédito é que o custo de funding aumentou. Se antes da crise um banco pequeno conseguia captar numa faixa de 100% a 120% do CDI, agora há casos em que os recursos não saem por menos de 150%. Nas últimas semanas, os futuros de DI também subiram, e eles são uma referência mais importante para o preço do crédito que a taxa Selic. Em consequência, a cautela aumenta, sobretudo nas instituições de menor porte.

“O aumento da demanda das empresas por crédito cresceu muito acima do normal. Todas estão querendo mais liquidez para atravessar este momento”, afirma José Ramos Rocha, diretor-executivo do Bradesco.

Em nota, o Itaú Unibanco afirma que não aumentou suas taxas para pessoa física, micro e pequenas empresas, “como pode ser comprovado por dados públicos do Banco Central”. De acordo com o banco, no caso de médias e grandes empresas, o custo do crédito do mercado em geral está pressionado pelas condições adversas do mercado.

De acordo com um executivo do setor, os bancos trabalham com bandas de taxas para cada cliente, e, segundo ele, os gerentes podem adotar percentuais mais elevados neste momento. “Mas não há orientação para isso”, afirma.

Fonte de outra grande instituição financeira diz que em seu banco também não houve alteração na política de preços. As taxas praticadas foram mantidas. No entanto, um dos fatores que entram na composição do preço é a percepção de risco do cliente. Se ela piorou, é possível que o crédito fique mais caro para ele.

Um interlocutor observa que, enquanto o crédito está mais restrito para alguns setores, pode ser ampliado para segmentos como supermercados, que estão funcionando normalmente.

“Os bancos estão olhando para as empresas e dizendo: essa companhia estava bem, mas nessa situação pode quebrar. É natural se retraírem nas crises”, afirma Renato Sucupira, sócio da assessoria financeira BF Capital. A empresa atende clientes que estavam em vias de fechar um financiamento e, agora, não vão concluir a operação. Na visão dele, caberá aos bancos públicos atender essas companhias durante a turbulência econômica.

Giuliano Colombo, sócio do escritório de advocacia Pinheiro Neto, afirma que alguns clientes veem os bancos privados mais restritivos e os públicos, demorados na concessão de recursos. Segundo ele, o momento é difícil porque a crise trouxe problemas de oferta e demanda para empresas que não têm uma dificuldade estrutural. “A resposta do mundo corporativo é buscar uma solução de equilíbrio para que não haja uma ruptura completa”, diz.