Título: A complexa sucessão palestina
Autor: Nizar Messari
Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/2004, Internacional, p. A9

Diretor do Instituto de Mídia Moderna da Universidade Al Quds de Ramala

Para entender o que será a causa palestina sem Yasser Arafat, é preciso considerar os vários títulos que ele detinha. Era o presidente do Comitê Executivo da OLP, presidente da Autoridade Nacional Palestina, comandante-chefe das forças palestinas e líder do movimento Fatah.

A OLP personifica as aspirações nacionais por independência e cidadania. É o corpo político mais alto para todos os palestinos, tanto para aqueles vivendo na Palestina quanto para os refugiados e os outros que vivem na diáspora. O sucessor de Arafat vai precisar se equilibrar entre as negociações com Israel, que vão requerer concessões ao ''direito de retorno'' dos refugiados à Palestina, e as aspirações de mais de três milhoes de pessoas que desejam voltar às suas casas, das quais foram expulsas pelas guerras de 1948 e 1967.

O sucessor de Arafat como presidente da ANP deverá ser limitado pelos Acordos de Oslo, que criaram um governo interino, agora dirigido pelo primeiro-ministro Ahmed Qorei, que é responsável pelo dia a dia na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os palestinos precisarão decidir se querem que o presidente da ANP tenha uma posição forte ou meramente simbólica, como é hoje. A segunda opção poderia fazer de Qorei um primeiro-ministro mais poderoso, o que muitos palestinos e outros desejam.

A posição de comandante das forças palestinas supostamente põe os vários serviços militares, de segurança e de inteligência sob um só comando, o que, espera-se, reforçaria o papel da Justiça. Mas estas forças estão desmontadas, com a maior parte das agências de segurança palestinas uniformizadas precisando de uma reorganização depois de quatro anos de esforços intensivos por parte de Israel para destruí-las.

O fator chave para a segurança interna está nas unidades paramilitares. A maior parte delas não está sob controle da liderança da ANP, mas jura lealdade mais às figuras históricas locais do que às autoridades da presidência. Líderes como Marwan Barghouti têm um tremendo poder sobre os nacionalistas armados que se organizam parcamente nas Brigadas de Mártires de Al Aqsa. Barghouti defendia e estava tentando implementar eleições internas na Fatah quando os israelenses o prenderam. Como um líder das ruas que foi eleito para o conselho estudantil da Universidade Bir Zeit, ganhou legitimidade ao ser escolhido pelos seus parceiros. Quando as negociações de Oslo começaram, ele se recusou a aceitar qualquer posição oficial dentro da ANP, preferindo continuar mais próximo dos redutos da Fatah. Andava atrás de Arafat para ter certeza de que as brigadas estavam sendo atendidas em seu desejo de status, seus pedidos, e tinham seus líderes respeitados.

Por isso, a disputa de poder que se desenha na era pós-Arafat será centrada na Fatah, que é a espinha dorsal da OLP. Uma assembléia mundial elegeu 100 membros do conselho revolucionário, que vão definir os 20 nomes do conselho central, palco provável da maior parte das disputas. Muitos dos jovens líderes das ruas vão insistir na convocação emergencial do conselho revolucionário, ou mesmo da sexta assembléia-geral (seria a primeira desde 1988). Os eventos dos últimos meses mostram que as Brigadas de Al Aqsa forçaram até Arafat a atendê-las.

Enquanto a maior parte da disputa ser dará dentro do âmbito nacionalista, não se pode esquecer do lado islâmico liderado pelo Hamas e pela Jihad Islâmica. Embora aparentemente não pretendam se envolver na sucessão, evidentemente não vão ficar sentados esperando que as lideranças palestinas se movam na direção que acham errada. Naturalmente, as novas lideranças precisam encontrar algum acerto com os islâmicos, tanto no campo doméstico quanto na relação com Israel. Sem isso, e se os sucessores decidirem cair em cima dos extremistas religiosos, uma violenta guerra civil pode eclodir aqui.

O mais importante, para que o novo líder possa consolidar seu poder será tomar decisões duras e mostrar resultados palpáveis rapidamente. A experiência do primeiro premiê palestino, que renunciou principalmente por sua inabilidade em prover qualquer melhoria na vida do povo - particularmente pessoal e de segurança coletiva, na Justiça, e no fim do caos nas áreas palestinas - continua bastante fresca na memória popular.

Ao mesmo tempo, o congelamento das atividades nos assentamentos, a libertação de líderes políticos presos - incluindo Barghouti - e a remoção de centenas de postos de controle entre as cidades palestinas poderia reviver um sentimento de esperança, sem o qual nenhum líder palestino pode negociar o que o mundo deseja: um acordo de paz. O problema é que não há líder palestino, não importa quem seja, que possa encaminhar tais mudanças. Elas representam um desafio direto aos ocupantes israelenses, aos países árabes vizinhos e à comunidade internacional liderada pelos Estados Unidos