Título: O unifome pode caber em Dahlan
Autor: Nizar Messari
Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/2004, Internacional, p. A9
Quando soube da morte de Arafat, o primeiro-ministro Ariel Sharon declarou que, a partir de agora, o Oriente Médio poderá sofrer uma reviravolta histórica, desde que a nova liderança palestina implemente o Mapa do Caminho e renuncie a quaisquer atos de terrorismo. Entretanto, a seus assessores mais íntimos, a um dos quais tive acesso, Sharon revelou ceticismo, dizendo que acredita no decurso de um longo tempo, talvez anos, até que um novo líder palestino possa ser suficientemente forte em sua frente doméstica para engajar-se com objetividade no processo de paz.
Enquanto o corpo de Arafat era transportado de Paris para o Cairo, as desavenças internas entre os palestinos já se expunham de forma evidente. Hoje, entre os líderes, há dois grupos distintos e visíveis. O primeiro é formado por ativistas mais idosos, três assessores íntimos de Arafat, o ex-primeiro-ministro Mahmoud Abbas, o atual, Ahmed Qurei, e Faruk Kadumi. O segundo, bem mais jovem, é liderado por Jibril Rajub, em Ramala, e por Muhamad Dahlan, em Gaza, onde chefiou as forças de segurança.
Este é o nome que deve ser anotado com maior critério. Na atual conjuntura, Dahlan sofrerá uma intensa fritura, mas seu futuro político é inquestionável. O receio que dele têm os radicais pode ser avaliado em função de um trágico evento ocorrido no dia 15 de outubro do ano passado, quando uma comitiva de diplomatas americanos foi atacada no entroncamento de Beit Lahia. No atentado contra três jipes blindados, morreram os guarda-costas do comboio, mas os americanos escaparam ilesos. Este incidente provocou forte reação da Casa Branca e os punhos cerrados se voltaram na direção de Dahlan que, a princípio, deveria ter garantido a segurança ali.
Como conseqüência, os Estados Unidos suspenderam diversos projetos de ajuda que mantinham em Gaza. No dia 4 de fevereiro deste ano, quatro residentes do campo de refugiados de Jabalia foram acusados pelo atentado, levados a um tribunal e absolvidos. O julgamento teve apenas a intenção de apaziguar os americanos e o ato terrorista alcançou seu real objetivo: indispor Dahlan com a Casa Branca, onde era um dos palestinos mais respeitados, desde a favorável impressão que causou nas conferências de Wye River e Camp David, ambas no governo Clinton. Além disso, nessas duas ocasiões, Dahlan foi considerado pelos israelenses como um confiável interlocutor por seu particular empenho no sentido de chegar a algum compromisso, embora pesasse sobre ele a suspeita de ter comandado atentados terroristas.
Muhamad Dahlan nasceu em Gaza, em 1961, tendo sido aprisionado dez vezes em Israel, onde se tornou fluente no idioma hebraico. Foi um dos chefes da intifada de 1987, razão pela qual foi deportado para a Jordânia. Seguiu para o Egito, Iraque e Tunísia, onde se juntou à liderança palestina então ali instalada. Voltou para Gaza em 1994, depois do Acordo de Oslo, e desde então esteve na mira dos radicais que o viam como um acólito dos EUA e de Israel à medida em que cumpria a função para a qual havia sido designado: reprimir as ações terroristas. Dahal renunciou em junho de 2002, esperando receber um ministério, mas foi apenas nomeado assessor de segurança de Arafat, a quem sempre se manteve fiel, o que não impediu que questionasse a contínua corrupção existente na Autoridade Palestina.
Enquanto viveu, Arafat vestiu três uniformes: chefe da Organização pela Libertação da Palestina, presidente da Autoridade Palestina e do grupo Fatah. É bem possível que, a médio prazo, um desses uniformes sirva sob medida para Mahmud Dahlan.