Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Finanças, p. C5

BC acelera regra para ‘blindar’ recurso de varejista

Flávia Furlan


A medida provisória 930, publicada ontem em edição extra do “Diário Oficial”, busca garantir que os fluxos de pagamentos que passam pelas “maquininhas” de cartão cheguem de fato aos varejistas, mesmo que as empresas que prestam o serviço de repassar esses recursos se tornem insolventes, entre elas emissores, bandeiras e credenciadoras de cartões.

A medida reflete uma postura defensiva do regulador em relação a esses negócios, formados em sua maioria por micro, pequenos e médios empreendedores, justamente em um momento que eles estão sendo fortemente afetados pela quarentena imposta para conter o contágio do coronavírus no país.

O receio é que as empresas de pagamentos se tornem insolventes, deixando de repassar os recursos aos varejistas. Conforme noticiou o Valor, as credenciadoras de cartões, intermediárias do setor responsável pela distribuição das maquininhas, têm enfrentado dificuldades em captar recursos no mercado.

“O BC tem tido movimentos no sentido de incentivar pequenos negócios, liberando recursos nessa crise. Mas a medida provisória mostra uma ação defensiva, de precaução para evitar que se tenha um problema maior no futuro, caso a situação se agrave”, disse Bruno Diniz, diretor para a América do Sul da Financial Data and Technology Association (FData).

Formas de “blindar” os recursos dos varejistas já vinham sendo discutidas pelo regulador com o setor de pagamentos. No ano passado, o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), por sugestão do regulador, protocolou o projeto de lei 4.729/19, que alterava a lei 12.865/13, a qual dispõe sobre as regras de arranjos e instituições do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

Na ocasião, o Valor tinha divulgado o caso da Bela Pagamentos, uma subcredenciadora de cartões da gaúcha Gramado, que passou por problemas financeiros e entrou em recuperação judicial, situação que acabou por gerar atraso no repasse de R$ 11 milhões para estabelecimentos comerciais da região.

De acordo com a advogada Larissa Arruy, especialista em setor financeiro do escritório Mattos Filho, as propostas contidas na MP não foram elaboradas especificamente para lidar com a crise atual. No entanto, o contexto trouxe um senso de urgência para que elas fossem colocadas em prática neste momento. Enquanto um projeto teria tramitação mais longo no Congresso, a MP tem prazo de 120 dias para ser convertida em lei.

“Está clara a preocupação do Banco Central com os recebedores finais do sistema de pagamentos, muitas vezes o pequeno lojista”. De acordo com Larissa, a MP determina que o fluxo de pagamentos do micro, pequeno e médio negócio consiste em um patrimônio separado ao da empresa de pagamentos.

Além disso, a empresa de pagamentos não pode usar esse fluxo como garantia nem ceder como recebíveis para captações de recursos no mercado cuja finalidade seja atender sua própria operação, “apenas se o recurso captado for direcionado para o estabelecimento comercial na ponta”, explica a advogada.

As medidas ainda preveem que as bandeiras - responsáveis por criar as regras para as empresas que participam de seus arranjos de pagamentos - têm de determinar como o fluxo de repasses aos estabelecimentos comerciais vai ocorrer, em caso de insolvência de alguns dos participantes. Já as garantias depositadas pelos participantes do setor de pagamentos junto às bandeiras também terão de ser separadas do patrimônio das próprias bandeiras, como forma de garantir a execução dos valores em caso de insolvência.