Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Legislação & Tributos, p. E1
MPF defende voto de desempate no Carf
Beatriz Olivon
O fim do voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) enfrenta a resistência do Ministério Público Federal (MPF). O órgão encaminhou ofício ao presidente Jair Bolsonaro sugerindo o veto da medida, que beneficia os contribuintes. A mudança está prevista no Projeto de Lei de Conversão da MP do Contribuinte Legal (Medida Provisória nº 899, de 2019), recentemente aprovado pelo Congresso.
A nova legislação muda a forma de desempate no Carf. Hoje, cabe ao presidente da turma, que é sempre um representante da Fazenda, definir um julgamento, votando duas vezes. Pelo novo texto, em casos de empate, a decisão será favorável ao contribuinte, sem o voto duplo.
Para o MPF, a extinção do mecanismo de desempate é um tema alheio à proposta da MP 899 e poderá impactar as autuações fiscais recebidas por empresas em grandes operações, inviabilizar a arrecadação e as representações fiscais para fins penais.
No ofício, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirma que a medida poderá embasar pedidos de restituição de tributos e multas que já foram recolhidos com base em decisões por voto de qualidade, em prejuízo ao erário. Ainda segundo o ofício, a alteração pode gerar o arquivamento imediato ou o trancamento de inúmeras ações, impedindo o início ou o desenvolvimento de investigações. medida poderá embasar pedidos de restituição de tributos e multas que já foram recolhidos com base em decisões por voto de qualidade, em prejuízo ao erário. Ainda segundo o ofício, a alteração pode gerar o arquivamento imediato ou o trancamento de inúmeras ações, impedindo o início ou o desenvolvimento de investigações.
Um estudo técnico elaborado pela Câmara Criminal do MPF destaca que o voto de qualidade não é um problema e não precisa ser suprimido. O documento diz que o voto não viola a impessoalidade e a imparcialidade, que será abalada pela mudança aprovada pelo Senado.
De acordo com Ivan Allegretti, sócio do escritório Allegretti Advogados, embora não exista um padrão, a experiência revela que os casos mais disputados são resolvidos por meio do voto de qualidade. São os que envolvem valores mais altos ou questões mais complexas, acrescenta o advogado, especialmente aquelas que abrem margem para um juízo subjetivo sobre a validade do planejamento tributário.
Para Allegretti, há o risco, com a mudança a favor do contribuinte, de empobrecer o debate e a formação de uma convicção baseada na técnica e na experiência, caindo no “voto de bancada”, em que representantes da Fazenda votam com a Fazenda e do contribuinte com o contribuinte.
Com o voto duplo do presidente para desempate, afirma o advogado, o representante do contribuinte tem de se empenhar para convencer o do Fisco a votar a favor do contribuinte para evitar o empate, segundo o advogado. Com a alteração, Allegretti estima que será o inverso, o auditor fiscal vai precisar convencer o representante do contribuinte para não haver empate.
Em 2019, os casos mantidos pela Câmara Superior somaram R$ 27 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Dos 5,3% decididos por meio do mecanismo em 2019, 4% foram a favor da Fazenda. Dentre os processos julgados neste ano, 3,2% foram decididos no voto de qualidade - 1,9% a favor da Fazenda Nacional e 1,3% do contribuinte. Em fevereiro, o estoque do Carf era de 116 mil processos, que somavam um total de R$ 628 bilhões.