Título: Sua excelência, o livro
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/2004, Outras Opiniões, p. A11

Sempre tive a cultura como minha causa parlamentar. São minhas as leis de incentivo à pesquisa e proteção do patrimônio

Quando se fala nos avanços tecnológicos que vislumbram a morte do livro pelo livro eletrônico e outras mágicas, eu respondo: o livro nunca acabará, porque ele é a maior das descobertas tecnológicas: cai e não quebra, não precisa de energia e portanto de ligar e desligar. Pode ser levado para qualquer lugar, banheiro ou cama, com o que certamente os monitores de televisão não concorrem. O livro tem todos os programas de computadores e mais a diversidade de todos os assuntos guardados pela eternidade da escrita. E se, por uma desgraça, essa história de mercado um dia tornar o livro dispensável, ainda restará o livro de poesia, pois a poesia não precisa de mercado e salvará o livro.

O governo tomou, ontem, uma decisão de grande importância na área da cultura, especificamente para o livro. Resolveu desonerar de todas as contribuições e taxas o livro nacional e estrangeiro. A Constituição Federal, no seu artigo 150, inciso VI, já prevê a imunidade de impostos. Mas, como sabemos, para fugir à divisão da arrecadação com os estados, passaram a ser criados impostos com os eufêmicos nomes de contribuição e taxa. Nessa direção, nas leis sobre PIS/Pasep e Cofins tocaram taxas absurdas que chegam a 9,25%. Os resultados foram o encarecimento do livro, a queda de venda no mercado editorial e a redução do número de exemplares de cada edição.

Sempre tive a cultura como minha causa parlamentar. As leis de incentivo à cultura, estímulo à pesquisa cientifica, proteção do patrimônio histórico foram iniciativas minhas, há mais de trinta anos, apresentando projetos e chamando a atenção do país para esse problema, com a tese de que não basta ser uma potência econômica se não se for uma potência cultural.

Nesse sentido consegui aprovar uma lei instituindo a Política Nacional do Livro, no qual o artigo 4º previa a isenção total de taxas para o mercado livreiro. Este artigo foi vetado, mas o ministro Palocci assumiu comigo o compromisso de restabelecê-lo logo que a situação do país permitisse. Ontem ele cumpriu o prometido.

O presidente Lula, perante editores, livreiros e escritores, anunciou a decisão. O ministro Gil também já comandava essa reivindicação, incluindo-a no plano de cultura que está sendo coordenado por Galeno Amorim. Compareci à solenidade, e o presidente Lula pediu-me para dizer algumas palavras. Disse que não tivera tempo de elaborar um improviso como merecia o livro, mas o tema do livro ajudava.

O livro é o melhor amigo. Deus deu-me a graça de que, ao longo da minha vida, todo dia ele esteja ao meu lado, me socorrendo, me dando vida, acalmando os momentos em que as flores murcham.

Há um provérbio árabe que diz: ''O paraíso sobre a terra pode estar nos belos seios de uma mulher, no lombo de um cavalo ou entre as páginas de um livro.'' Livro, também, nos diverte num jogo de esconde-esconde. De noite vou à minha biblioteca e não acho o livro no lugar que o deixei. Ele já está adiante: é o bicho que mais anda na madrugada.

Para terminar, recordo um refrão que, se não me falha a memória, está no Quixote: ''Os livros fazem muitos sábios, mas poucos ricos.'' Que o digam os poetas e Josué Montello, que já escreveu mais de cem!