Título: A meu ex-ministro, com pesar
Autor: JARBAS PASSARINHO
Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/2004, Outras Opiniões, p. A11

Servi ao Exército apenas por cerca de 29 anos, por vocação. Ao Exército devo rija consolidação do amor à pátria e o culto do elenco dos valores morais. Tenho honra de ser coronel do Exército, posto a que cheguei depois de três concursos, dois universais e um restrito ao corpo de oficiais, este para ingresso na Escola de Estado-Maior.

Despi a farda, ao passar para a reserva, em 1966, tendo colhido dignificantes elogios de ilustres chefes, entre eles Humberto de Alencar Castello Branco, Décio Escobar e Jurandir Mamede, meus comandantes.

Honra-me não a ter maculado nas quase três décadas em que a vesti. Muito mais, ainda, quando troquei o uniforme pelo traje civil nos trinta e dois anos em que, de governador, senador três vezes eleito pelo generoso povo paraense e ministro de quatro governos, palmilhei o terreno muitas vezes pantanoso da política, sem conspurcar os princípios axiológicos, particularmente os morais, que trouxe do berço e do Exército.

É este passado que me faz repelir, pesaroso sem dúvida, mas mal contendo a indignação, passagens da carta de demissão do diplomata José Viegas, ao exonerar-se do Ministério da Defesa. Ele que era meu ministro - na reserva, sou oficial do Exército - não teve grandeza ao deixar de o ser. Ministro, distanciou-se, no trato com os chefes militares, desde logo, da gestão de seus dois nobres antecessores civis, o senador Elcio Álvares e o jurista Geraldo Quintão, que souberam distinguir a obediência devida, que dignifica, do servilismo das guardas pretorianas que avilta.

Ministro da Defesa, iria comandar calejados oficiais generais, há cerca de meio século devotados a uma profissão de sacrifícios conscientemente assumidos no serviço da Pátria, guardando-a das potenciais ameaças externas e internas.

Missão nobilitante a de um ministro da Defesa a quem não fosse estranho a máxima de Osório, que se aprende nas casernas: ''É fácil comandar homens livres. Basta apontar-lhes o caminho do dever''.

O episódio da nota do Centro de Comunicação Social do Exército, deturpada, aliás, em ilações que lhe imputam o que nela não se contém, serviu ao ministro de pretexto para pedir demissão, ocultando os freqüentes atritos que já tivera com as Forças Armadas, e das reiteradas notas, na imprensa, que já antes o apontável como prestes a ser exonerado. Fê-lo visivelmente a contragosto. Diz ter tido ''o propósito básico de contribuir para a reinserção plena e definitiva das Forças Armadas no seio da sociedade política brasileira''. Esquece-se - o que é imperdoável num diplomata - que o militar brasileiro está e sempre esteve inserido na sociedade brasileira, pois que dela é parte indissociável, soldado da libertação nos albores da nacionalidade, ao derrotar os holandeses nos morros de Guararapes, e soldado da ordem ameaçada nas três sucessivas tentativas de tomada de poder pelos comunistas, em 1935, 1964 e nas guerrilhas de 1967 a 1974.

Referindo-se ''a lastimáveis episódios do passado'' e ''ao clima dos anos 70'', evidente que só lhe são lastimáveis os que, não poucos com a perda da própria vida, venceram os guerrilheiros e terroristas treinados em Cuba. Diz, ainda, que ''todos queremos superar o clima de 70''. A carta prova o contrário. Nega a subversão, ofendendo os que morreram por ela ou contra ela. Parece-lhe imaginação paranóica a citação ao Movimento Comunista Internacional que, durante a Guerra Fria, se estendeu desde os satélites da URSS na Europa Oriental, à China, à África e já chegara ao Caribe, que ele presenciou nas duas vezes que representou o Brasil em Cuba. Era de esperar que tendo vivido o ''paraíso'' cubano, de onde milhões preferiram enfrentar a morte nos ''balseros'' em fuga para a Flórida, tivesse se chocado com a realidade da tirania.

Maniqueísta, acha que ''devem sair de cena'' os que reagem aos que reescrevem facciosamente a história recente dos ''lastimáveis anos 70''.

Ouço que o que não soube ser ministro da Defesa, na ultimação de uma transição que já dura 20 anos sem conseguir o esquecimento recíproco dos anistiados, será embaixador na Espanha. Excelente oportunidade para estudar como lá, a despeito de um milhão de mortos na guerra civil de 36 a 39, e os quarenta anos de ditadura do caudilho Franco, foi possível chegar a Felipe Gonzalez, socialista, reconciliada a nação de Unamano.

Sobre o Exército e a sociedade, será útil, às leituras do embaixador, eleger o livro com esse título de Manuel Diez - Alegria, um ilustre militar espanhol, um texto que reproduz seu discurso de recepção como Acadêmico da Real Academia de Ciências Morais.