Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Finanças, p. C3

BC busca proteção legal para diretoria e meio de pagamento

Estevão Taiar


O Banco Central (BC) apresentou ontem medida provisória (MP), publicada em edição extraordinária do “Diário Oficial da União”, que busca combater em quatro frentes os impactos da pandemia do coronavírus sobre o mercado financeiro.

A MP 930 altera, por exemplo, a tributação sobre o hedge (proteção) de investimentos de instituições financeiras no exterior. Além disso, acelera a implantação, pelo menos temporária, de três propostas que em certa medida já estavam no radar da autoridade monetária. Entre elas, está a maior proteção legal a diretoria colegiada e servidores do BC durante a crise do coronavírus.

Para diminuir “distorções tributárias” de investimentos no exterior, a variação da parcela com hedge do investimento será contabilizada no lucro real e na base da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos. A MP estabelece que esses valores sejam computados de forma escalonada: 50% em 2021 e 100% em 2022.

“A posição do investimento não é tributada, mas o hedge é tributado. Para o hedge ser eficaz, ele precisa ser feito em uma proporção maior”, disse o chefe do departamento de regulação prudencial e cambial do BC, Ricardo Moura, em entrevista a jornalistas. Com a tributação sobre os próprios investimentos, essa proteção excessiva, chamada de “overhedge”, deve diminuir. Atualmente, a posição somada de hedge e overhedge das instituições financeiras está na cada dos US$ 110 bilhões.

Para o BC, os efeitos negativos da assimetria de tributação aparecem principalmente no câmbio e se tornam mais intensos em momentos de grande volatilidade no mercado, como o atual. Isso porque as operações de hedge são realizadas com as instituições realizando depósitos de margem em bolsas de valores em montantes iguais aos dos investimentos no exterior.

“Em momentos de maior volatilidade cambial, é esperado que as instituições sejam chamadas a recompor essa margem”, diz o BC na exposição de motivos da MP. No entanto, com liquidez desfavorável, “as perdas com as operações de proteção não podem ser prontamente compensadas com a realização de ganhos na valorização dos investimentos no exterior”.

Assim, essa falta de liquidez pode acabar retroalimentando a volatilidade do câmbio. “Na hipótese de as instituições, sob influência dessa volatilidade, decidirem se desfazer dos seus investimentos no  haverá pressão de desmonte da proteção cambial”, diz.

Apesar de a medida só começar a entrar em vigor no ano que vem, a aposta é que as instituições já começarão a desmontar suas posições excessivas de hedge ainda em 2020, ajudando a diminuir a volatilidade do câmbio durante a crise.

A tendência, segundo o BC, é que o impacto tributário seja neutro em período longos e com menores oscilações no curto prazo. “O dólar sobe e desce. No longo prazo, você tinha ganhos e perdas que eram contrabalançadas na arrecadação”, disse Moura. “O que se espera com a tributação conjunta é que a arrecadação se suavize.”

Outra mudança presente na MP diz respeito à maior segurança jurídica para presidente, diretores e funcionários do órgão. A ideia é que eles não sejam legalmente responsabilizados “por atos praticados no exercício de suas atribuições”. Assim, terão uma margem de manobra maior para atuar quando julgarem necessário. A exceção fica para casos de dolo ou fraude.

O BC afirmou, no entanto, que a proposta de autonomia formal do órgão, em tramitação no Congresso, continua como prioridade. “Não houve desistência”, afirmou a autarquia por nota. Há atualmente dois projetos de lei, um na Câmara e outro no Senado, que tratam do tema.

A MP também acelera a implantação da chamada Lei do Repasse. Antecipado pelo Valor em setembro, o projeto proíbe, por exemplo, que o dinheiro devido por uma administradora de cartão a um vendedor seja objeto de penhora, inclusive em caso de falência da empresa. As mesmas regras valem para a relação entre os bancos e a administradora do cartão. Além disso, esses recursos não poderão ser cedidos como garantia fora do sistema de pagamentos.

Por fim, a MP autoriza a emissão de Letra Financeira (LF) por um período inferior a um ano. Dessa maneira, facilita a concessão de empréstimos pelo BC a instituições financeiras com lastro em uma LF garantida. Esses empréstimos, anunciados na semana passada, têm capacidade de injetar R$ 670 bilhões em liquidez no sistema financeiro, segundo o órgão.