Valor Econômico, v. 20, n. 4972, 01/04/2020. Finanças, p. C5

Pandemia traz perdas, e volatilidade prossegue

Adriana Cotias 


A pandemia de covid-19 derrubou os preços de praticamente todas as classes de ativos. A avaliação de gestores de recursos e de patrimônio é que há barganhas tanto na renda fixa quanto variável, mas é preciso dosar muito bem o risco, testar as águas devagar a fim de não comprometer o patrimônio de longo prazo. Até onde a

A pandemia de covid-19 derrubou os preços de praticamente todas as classes de ativos. A avaliação de gestores de recursos e de patrimônio é que há barganhas tanto na renda fixa quanto variável, mas é preciso dosar muito bem o risco, testar as águas devagar a fim de não comprometer o patrimônio de longo prazo. Até onde a empresas de menor capitalização (“small caps”), um recuo de 40,2%. O Ibovespa, principal termômetro da B3, teve desvalorização de 36,9%.

Os indicadores de renda fixa também sofreram, com queda de 10,9% do IMA-B 5+, de títulos atrelados à inflação longos. Na dianteira ficaram os ativos de proteção, com ganhos de 29,6% para o dólar, e de 30,2% para o ouro negociado na B3.

“O mercado entrou no modo disfuncionalidade. Na renda variável, os preços foram para níveis de estresse. E na renda fixa, NTN-B [atreladas à inflação] e prefixados também caíram porque passaram por uma série de ‘stops’ [vendas para limitar perdas] pelos fundos, em posições alavancadas que foram obrigados a zerar”, diz Dennis Kac, sócio da gestora de fortunas Brainvest. “Os investidores que conseguiram, de alguma forma, se proteger com horizonte de longo prazo agora têm tranquilidade para tirar proveito em todas as classes de ativos.”

Ele explica, contudo, que no universo da alocação de portfólios, o gestor não consegue aumentar a exposição em todas as classes para não ferir o mandato. A preferência tem sido recompor a parcela estrutural em ações que encolheu com a desvalorização, via fundos tradicionais ou “long biase”, que calibram a parcela em bolsa conforme o cenário. “A gente entendeu que o mercado precificou quase uma depressão econômica, e como não é o nosso cenário-base parece ser a melhor relação risco/retorno. Não adicionamos risco em absolutamente nada, apenas rebalanceamos.”

Com os juros baixos, muita gente associou a tomada de risco à compra de bolsa, mas esse não é um bom motivo para colocar o dinheiro em ações, segundo Marcio Appel, sócio-fundador da Adam Capital, ao participar de conferência no canal do Itaú Personnalité no YouTube, nesta terça-feira. “Melhor é comprar quando está barato não porque o amigo está ganhando dinheiro e a coisa vai se retroalimentando”, diz.

Para ele, o Ibovespa quando chegou perto dos 120 mil pontos já estava no valor justo, e agora na casa dos 70 mil está caro porque não há mais perspectiva de crescimento à frente. “Tomar risco ao longo do tempo é questão de característica pessoal para suportar o risco, e no caso brasileiro o que gera dinheiro no longo prazo são bons gestores, a bolsa no Brasil não tem um bom histórico. Se o investidor quer fazer poupança de longo prazo com retornos consistentes, a bolsa americana é que foi a melhor alternativa em dez ou 20 anos.”

Na renda fixa, títulos públicos prefixados com vencimento em três anos com taxas acima de 8% parecem uma boa opção diante da Selic atual, de 3,75% ao ano, segundo Kac, da Brainvest. “Se a média é 8%, significa que no meio do caminho bateu mais que isso, quando se olha a curva de juros há pedaços [projetando] mais de 10%”, diz. “Mesmo com alguma deterioração fiscal pelo fato de o governo injetar um caminhão de dinheiro na economia, não faz sentido subir juros, o mundo inteiro está cortando e a inflação está controlada.”

Os vaivéns recentes dos ativos trouxeram algumas referências de quais são os níveis de estresse, e é nessas horas que a Taler Investimentos tem aproveitado para ir às compras, diz o sócio-gestor Otávio Vieira. Ele cita que o Ibovespa abaixo de 60 mil pontos, a NTN-B pagando IPCA mais prêmio acima de 4,5% ou prefixados além de 9,5% são preços aparentemente promissores.

“Com o estrago da paralisação, vamos perder pelo menos um trimestre de PIB, fora alimentos ou remédios. Mas tem oportunidades em ativos do governo ou emissores muito bons de DPGE [depósitos a prazo com garantia especial], letras financeiras ou mesmo debêntures de setores mais resilientes como energia”, citando nomes como Energisa e Equatorial.

Mesmo no combalido setor de shopping centers, afetado pelo fechamento do comércio e ainda sem data para voltar, ele acha que tem bons nomes, como Multiplan, BR Malls ou Sonae Sierra. A hora é de evitar casos de empresas menores, endividadas, porque o “governo não vai conseguir salvar todo mundo”.

Com a propagação da covid-19 e os impactos econômicos ainda em curso, o ambiente de alta volatilidade ainda vai prosseguir, o momento exige cautela e resiliência, diz a superintendente-executiva de investimentos do Santander, Luciane Effting. A especialista diz que para quem tem orientação de longo prazo, há alternativas em bolsa e em juros que podem compor a carteira dos investidores.

“A preocupação é sempre manter uma reserva, em produtos de liquidez diária. Para o restante há, sim, oportunidades, em especial na bolsa diante da recente desvalorização dos ativos, pensando que no longo prazo vai ter a retomada”, diz. “Mas não tem como precisar esse longo prazo dado que não é possível ver o fim do túnel.”

Com a expectativa de que a Selic tenha novos cortes ou se mantenha baixa por um período mais longo de tempo, na renda fixa Luciane acha que os títulos prefixados tendem a ser beneficiados por movimentos de curto prazo. Ela sugere fundos com gestão ativa, os títulos do Tesouro e também os ETFs (fundos de índice) de renda fixa como opções para ficar exposto a esse tipo de estratégia.

Para o investidor já alocado em fundos que sofreram, a executiva diz que o melhor é focar no longo prazo. “Para quem está entrando, é a oportunidade de comprar num momento em que vários ativos tiveram forte desvalorização e aproveitar a curva [de juros].”