Valor Econômico, v. 20, n. 4973, 02/04/2020. Brasil, p. A2

Antecipar férias e aulas a distância ganham força nas escolas

 Hugo Passarelli


Férias antecipadas, aulas a distância e descontos em parte das mensalidades entraram no dia a dia de escolas particulares com o surto do novo coronavírus. As medidas tentam garantir que as atividades pedagógicas previstas para o ano sejam realizadas em meio ao isolamento social imposto pelo avanço da doença.

Ontem, o governo federal editou medida provisória permitindo que escolas e universidades tenham em 2020 menos do que os 200 dias letivos estabelecidos por lei. Para o ensino básico, no entanto, segue a exigência de que os alunos tenham no mínimo 800 horas de aula no ano.

O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp), que representa 4,5 mil instituições privadas paulistas, recomendou que as escolas entrassem a partir de ontem em recesso de um mês.

O presidente da entidade, Benjamin Ribeiro da Silva, diz que a parada antes do usualmente previsto foi decidida para dar tempo para que as escolas se adaptem ao cenário de ensino a distância, que, pelas previsões das autoridades, deve se prolongar ao até menos o fim do semestre.

“A maior parte das escolas brasileiras tem menos de 500 alunos, sem nenhuma estrutura para dar aulas a distância”, defende. Ele conta ter recebido sinalizações de que as férias antecipadas terão boa adesão, mas uma estimativa mais apurada só deve ser conhecida na próxima semana.

O mesmo não deve ocorrer com as colégio de elite, que mantêm a rotina de aulas com uso da tecnologia. A Abepar, associação que representa 23 escolas de alto padrão na capital paulista, recomenda a continuidade das  atividades de forma não presencial, embora não descarte rever a orientação no futuro.

Com a queda de faturamento das empresas, sobretudo do setor de serviços, pais de alunos têm procurado as escolas particulares já prevendo um possível atraso nas mensalidades.

Para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), os consumidores devem evitar pedir descontos ou reembolso total ou parcial das mensalidades. Segundo o órgão, isso poderia prejudicar a saúde financeira das instituições, que possuem um orçamento anual a cumprir.

No Colégio Bandeirantes, já houve demandas nesse sentido, conta o diretor-presidente Mauro de Salles Aguiar. “Já recebemos pedidos de comerciantes, fornecedores de serviços para shoppings e profissionais liberais”, diz. Segundo ele, nenhum desconto foi aplicado por ora.

“Pelos relatos que recebemos, escolas com período integral, em que o aluno não está ficando o dia todo, estão dando algum desconto”, diz Ribeiro

É a situação semelhante à do Colégio Pentágono, com três unidades na capital paulista. Desde a semana passada, a instituição permite desconto sobre as atividades extracurriculares de esportes e cultura, bem como nos almoços e lanches fornecidos aos alunos nos dias de permanência.

Em Cotia, o colégio Via Sapiens criou um “seguro educacional”,  que banca as mensalidades por três meses em caso de desemprego dos responsáveis dos alunos ou “incapacidade temporária” de profissionais autônomos. O benefício é gratuito.

No Bandeirantes, os alunos acompanham as aulas de casa há cerca de três semanas. O colégio já contava com um sistema on-line, usado antes apenas para atividades complementares. “A capacidade de armazenamento e processamento em nuvem tiveram de ser muito ampliadas. Já tivemos, por exemplo, 1,5 mil alunos fazendo uma prova de física simultaneamente”, diz Aguiar.

No setor público, o isolamento social traz preocupações maiores porque a maior parte dos alunos é de perfil socioeconômico mais desfavorecido e pode não contar com internet para acompanhar as aulas de casa.

De acordo com balanço do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), 11 redes estaduais anteciparam as férias, enquanto as demais estão com aulas presenciais suspensas. Destas, nove têm compensado a paralisação com algum tipo de ensino remoto: Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Em São Paulo, a rede estadual está paralisada desde 23 de março, o que foi possível com antecipação de recesso e férias. A previsão é de retomada em 22 de abril, já em modo remoto, por meio de aplicativo que está sendo desenvolvido para este fim.

Diversas informações falsas sobre as atividades escolares no Estado de São Paulo têm circulado. Não há previsão, por exemplo, de multa às instituições privadas que permanecerem abertas. E, na prática, isso não deve ocorrer, porque a adoção do ensino a distância tem sido a opção mais recorrente entre os colégios particulares.