Estiagem isola comunidades no AM
Liege Albuquerque
O Estado de São Paulo, n. 40906, 16/10/2005. Nacional, p. A12-A13

Plantio da mandioca, no interior, e navegação são setores mais afetados; cidades distantes já enfrentam falta de alimentos

MANAUS - Os prejuízos da estiagem na Amazônia começaram a ser sentidos em meados de setembro. Barcos ancorados nos portos dos 62 municípios do Amazonas demonstram que a seca quebrou a rotina do transporte fluvial, o mais comum na região, e impede o trânsito de cargas e passageiros para lugares aonde não se chega de avião. Segundo assessores do governo estadual, as áreas que já sentem a falta de alimentos são as comunidades na fronteira com Peru e Colômbia, no Alto Solimões e em Atalaia do Norte, a 1.138 quilômetros de Manaus. Até agora, segundo a assessoria, já foram gastos R$ 2,5 milhões na aquisição emergencial de remédios. Em valores, o governo federal enviou às Forças Armadas R$ 1 milhão para o abastecimento dos helicópteros e aviões da operação de emergência no interior.

Há três semanas, o primeiro prejuízo explicitado foi da empresa espanhola Ibero Star, ao declarar que o navio de luxo recém-inaugurado teria de amargar dois meses parado por conta da seca. O navio Grand Amazon faz passeios pelos Rios Amazonas e Solimões, dois dos mais atingidos pela seca. A empresa calculou um prejuízo de R$ 1 milhão com passeios cancelados até meados de novembro.

PREÇOS

A assessoria do Sindicato do Estivadores informou que os cerca de 2 mil estivadores cadastrados buscam alternativas como venda de alimentos próximo aos portos onde costumam carregar cargas para sobreviverem durante a estiagem.

A atividade econômica de boa parte dos moradores das 914 comunidades dos 21 municípios do interior do Estado mais atingidos pela seca é a pesca e a agricultura. A seca já provocou a perda da produção de fécula de mandioca, principal renda dos moradores de Manaquiri, a 65 quilômetros de Manaus em linha reta. Segundo o prefeito do município, Jair Souto, uma saca de fécula que custava R$ 20 é vendida hoje por R$ 100. "Nas vendas da cidade, o quilo do frango foi de R$ 2 para R$ 5."

Em Anamã, a 168 quilômetros de Manaus, o lago no centro da cidade já perdeu mais de 80% de seu volume. "Tudo aqui chega de barco e agora é feito a pé", diz o prefeito Luiz Brandão. O rebanho e a população têm de beber a água talhada dos rios. Em Maués, a 267 quilômetros de Manaus, os índios sateré maué estão sem alimentos, de acordo com o administrador substituto regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Manaus, Edgar Rodrigues.

AJUDA

Um carregamento com 16,5 toneladas de alimentos não-perecíveis doados pela Companhia Nacional de Abastecimento foi enviado na manhã de ontem para a região. O lote com arroz, feijão, fubá, macarrão e óleo partiu num avião Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira.

O governo do Amazonas decretou estado de calamidade pública em 61 municípios. Além dos alimentos embarcados ontem, foi entregue outro carregamento com doações em Manaquiri.

Amanhã, deverá sair de São Paulo carregamento com hipoclorito de sódio, usado para desinfetar água. Pelos cálculos do governo, as doações deverão estar nas sedes dos principais municípios em 10 dias.

Somente então serão transportados para comunidades isoladas, 32 mil famílias, na beira de lagos e afluentes.