Valor Econômico, v. 20, n. 4973, 02/04/2020. Política, p. A8

Trégua dura pouco e Bolsonaro volta ao ataque

Cristiane Agostine
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Marcos de Moura e Souza 


O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar ontem as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos de todo país, afirmou que Estados e municípios “erraram na dose” e disse que a “roda da economia” foi atingida. Em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, Bolsonaro defendeu mais uma vez o fim da quarentena e afirmou que seria melhor que as pessoas com menos de 40 anos se contaminassem agora com o coronavírus, para servirem de “barreira” aos mais velhos quando o inverno chegar.

Na entrevista, Bolsonaro disse que dentro de três meses, no inverno, “vai morrer mais gente porque haverá pico de ida aos hospitais”. “A garotada abaixo de 40 anos, a princípio, contraindo vírus, não vai ter problema. Se infectando agora, vai ser uma barreira no futuro para não transmitir o vírus aos mais idosos”, afirmou.

“É a conta que você bota na mesa e vê que as medidas por parte de alguns governadores e de alguns prefeitos foram excessivas porque atingiram a roda da economia. Alguns falam que economia você recupera e a vida não. Não tem nada a ver. Andam junto. Emprego e saúde andam juntos”, declarou.

Em mais uma declaração pública contra a quarentena, o presidente reforçou: “O efeito colateral das medidas vai ser muito mais grave do que a doença”, disse. Minutos antes da entrevista, o Ministério da Saúde divulgou que pelo menos 241 já morreram no país por covid-19 e 6.836 estão infectadas com o novo coronavírus.

O presidente disse que dentro de pouco tempo os Estados não terão mais recursos para custear a folha de pagamentos e que os governadores não poderão recorrer ao governo federal para pedir ajuda.

Bolsonaro citou o caso do Rio Grande do Sul, cujo governo prorrogou a quarentena até o dia 15 de abril, e, durante a entrevista, disse que é preciso que o país busque uma “maneira para as pessoas voltarem ao trabalho”.

Na entrevista, o presidente se desculpou por ter publicado uma notícia falsa, sobre um suposto desabastecimento na Ceasa de Minas Gerais.

O vídeo continha o relato de um homem falando sobre falta de alimentos na região metropolitana de Belo Horizonte. “Fome, desespero, caos também matam”, diz o homem que não se identifica no vídeo. Um pouco mais adiante, mostrando o galpão vazio, afirma: “não vamos esquecer não. A culpa disso aqui é dos governadores, viu? porque o presidente da República está brigando incessantemente para que haja paralisação responsável”.

Bolsonaro postou o vídeo em sua conta no Twitter e voltou a criticar governadores que têm adotado, segundo ele, medidas exageradas de restrição ao comércio como forma de conter a disseminação do coronavírus. O presidente escreveu que “são fatos e realidades que devem ser mostradas”. E acrescentou: “Depois da destruição não interessa mostrar culpados”.

O abastecimento na região, porém, está normalizado. Em nota, a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais afirmou que o fluxo de mercadorias estava regular. A nota disse que as imagens foram feitas em um entreposto de Contagem (MG), no dia da limpeza do Mercado Livre do Produtor, ocasião em que as caixas de alimentos são retiradas. A limpeza acontece todas as terças, quintas e sextas-feiras, pelas manhã e nos fins de semana. Após a repercussão, o presidente apagou o vídeo.

Em conversas por WhatsApp, integrantes da cúpula do Congresso classificaram Bolsonaro como “irresponsável” por alimentar “um clima de pânico na sociedade” ao falar sobre um suposto desabastecimento. Para eles, o chefe do Poder Executivo “tem se utilizado de argumentos pouco lógicos” para tentar reverter o isolamento social, orientação do Ministério da Saúde para conter o avanço do coronavírus.