O Globo, n. 32501, 01/08/2022. Opinião, p. 2

Denúncia de assédio na Caixa serve de alerta para todas as empresas



É oportuno o inquérito aberto pelo Ministério Público do Trabalho para apurar as denúncias de assédio sexual e moral contra o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães. A medida permite acesso a documentos, a realização de perícias ou inspeções nas instalações do banco. Caso as acusações sejam confirmadas, é fundamental que haja punição exemplar — ao contrário do que costuma acontecer em casos do tipo.

O escândalo na Caixa deveria servir de exemplo ao mundo corporativo, onde é comum chefes usarem a posição hierárquica para espalhar o terror entre subalternos e assediar subalternas, degradando o ambiente de trabalho em prejuízo da corporação. O próprio Guimarães foi, segundo os relatos, acobertado por quase três anos e meio, graças à proximidade do presidente Jair Bolsonaro, ao lado de quem apareceu em inúmeros eventos e lives.

Uma pesquisa da Mindsight, empresa de softwares de gestão de recursos humanos, com 11 mil pessoas em todo o país, constatou que 34% dos entrevistados já haviam sido vítimas de assédio moral, e 10,5% de sexual. Entre as mulheres, 38% relataram ter sofrido assédio moral e 15,4% sexual. Entre os homens, 30,1% e 5,3%. Apesar disso, é pequena a proporção dos funcionários que encaminharam denúncia: 6,5% de assédio moral e 2,1% de sexual.

Isso ocorre porque as empresas estão despreparadas para lidar com a questão. Quase dois terços (65%) não têm sistema para ouvir os funcionários. Só 25% dos entrevistados disseram haver apoio, menos de 10% o consideram eficiente. Não há confiança de que as vítimas terão garantia de confidencialidade no relato, daí a resistência dos funcionários a denunciar o assédio.

Toda empresa de porte, estatal ou privada, deveria dispor de mecanismos para combatê-lo. No mínimo, uma ouvidoria a que os funcionários possam recorrer sem medo de retaliação. Também é importante que ela tenha independência para promover as investigações necessárias. Na Caixa havia uma ouvidoria — chamada Corregedoria —, mas ela era subordinada à presidência, quer dizer, ao próprio transgressor. Ao assumir a Caixa, a nova presidente, Daniella Marques, transferiu a subordinação ao Conselho de Administração. Melhor assim.

A realidade exibida em pesquisas como a da Mindsight é muito diferente do mundo ideal em que homens e mulheres dividem o mesmo espaço de trabalho sem agressão. Já há algum tempo, duas palavras de ordem no âmbito dos recursos humanos são a colaboração entre os funcionários e o aprendizado coletivo, sustentados numa relação de confiança que independa da hierarquia. Os executivos precisam construir e zelar por um ambiente de trabalho em que não haja espaço para assédio de qualquer tipo.