Valor Econômico, v. 20, n. 4973, 02/04/2020. Política, p. A8

PEC do Orçamento de Guerra desidrata poderes do BC

Raphael Di Cunto
Estevão Taiar
Marcelo Ribeiro
Lu Aiko Otta 



A versão mais atual da proposta de emenda constitucional (PEC) do “Orçamento de Guerra”, elaborada para criar um orçamento paralelo para custear as medidas de combate ao coronavírus, concede ao Banco Central menos poderes do que os pleiteados pela autoridade monetária na primeira versão do projeto enviado à cúpula do Congresso.

A PEC, que começaria a ser debatida ontem pelo plenário da Câmara, dá mais instrumentos para o BC atuar na crise. Mas eles foram bastante desidratados durante as negociações entre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a equipe econômica do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os líderes partidários.

A PEC dava dois tipos de novos poderes ao BC: permanentes, como a possibilidade de acolher depósitos voluntários, à vista ou a prazo, das instituições financeiras; e temporários, apenas para atuação em situações de estado de defesa ou de sítio, de calamidade pública (como agora) ou “de grave ruptura econômica reconhecida pelo Congresso”.

No caso dos poderes permanentes, o Congresso limitou o período de permanência dos compulsórios sob guarda do Banco Central por até 12 meses. Esses depósitos serviriam para enxugar a liquidez do mercado junto com as operações compromissadas (compra ou venda de títulos públicos pela autoridade monetária, com o compromisso de recompra ou revenda futura). Enquanto as compromissadas elevam a dívida bruta do governo federal, os depósitos voluntários não têm impacto. Além disso, Campos Neto pedia autorização para realizar “outras operações financeiras, inclusive com derivativos”, e comprar e vender títulos públicos sem precisar ter como objetivo, unicamente, regular a oferta de moeda ou a taxa de juros. Esses trechos saíram do projeto.

Já as ações de combate a crises sistêmicas, papel que a autoridade monetária não possui hoje, ficarão limitadas apenas à atual calamidade. Caso o BC precise recorrer no futuro a esses instrumentos, será necessária uma nova PEC. O Valor apurou que houve receio de dar esses poderes com o presidente Jair Bolsonaro namorando a chance de instituir um estado de sítio no país.

Para combater essa crise, o BC pedia o direito de comprar ativos financeiros, públicos ou privados, no âmbito dos mercados financeiro e de capitais. Ou seja, poderia até adquirir ações e se tornar “sócio” de empresas com dificuldades, para evitar que quebrem e provoquem reflexos maiores na economia.

O texto costurado nos bastidores cortou essa parte e permite apenas “comprar e vender direitos creditórios e títulos privados de crédito e mercados secundários no âmbito de mercados financeiros e de capitais e de pagamentos". Com esse poder, o banco poderá apenas adquirir títulos de dívida das empresas, espécie de empréstimos para elas. E ficará restrito a companhias privadas, sem poder salvar empresas públicas deficitárias.

Esse tipo de operação será “imediatamente informada” ao Congresso e dependerá do aval do Tesouro Nacional, que precisará aportar 25% do capital dessas negociações - regras que não existiam na proposta original.

O projeto original provocava receio em economistas de que os novos poderes poderiam fazer o BC financiar o Tesouro (e, consequentemente, o governo) no futuro, já que o arcabouço legal que separa o papel dos dois ainda é muito recente. Para Maia, as novas regras serão suficientes para o BC atuar com força na crise e garantir uma sobrevida as empresas. Segundo o Valor apurou, ex-presidentes do BC, como Arminio Fraga e Ilan Goldfajn, também participaram da reformulação do projeto.

O líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), disse que foi preciso chegar a um texto consensual porque, sem acordo, não será possível votar a PEC direto no plenário. “Alguns líderes divergiram de dar tanto poder, ainda mais sendo que nem o projeto de autonomia do BC foi aprovado por divergências ideológica”, afirmou.

O líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), criticou a inclusão do BC na PEC que trataria do Orçamento, mas diz não ter problemas com o modelo final. Outros pontos da PEC geram divergências, como o prazo de apenas 30 dias para fiscalização dos gastos, e deveriam levar ao adiamento da votação.