Valor Econômico, v. 20, n. 4973, 02/04/2020. Política, p. A9

Segunda instância pode ter acordo

Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro


Partidos de direita, esquerda e de centro estão convergindo para que a proposta de emenda constitucional (PEC) que determina a prisão após a condenação em segunda instância só tenha validade para os novos processos, iniciados após a promulgação. Com isso, o projeto não afetaria os casos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As audiências públicas sobre a proposta acabaram na semana passada e o relator da PEC, deputado Fábio Trad (PSD-MS), bateu o martelo: vai propor a execução da sentença de segunda instância para todas as áreas do direito, não apenas para as questões penais, e a nova regra, se aprovada, valerá só para os processos iniciados após a promulgação da PEC.

A decisão de não permitir a retroatividade ainda será discutida com os demais integrantes da comissão da Câmara, mas já está tomada pelo relator. “É uma proposta que acho que converge a esquerda e o centro. E a direita, se não apoia [por causa do Lula], vai bater de frente com o meio empresarial e com o Poder Judiciário”, disse Trad ao Valor.

A esquerda, em especial o PT, preocupada com a possibilidade de o ex-presidente voltar à prisão, fazia oposição à PEC. Já a direita, que via na proposta a chance de atender seus eleitores e mandar o petista de volta à prisão, defendia que a norma valesse inclusive para os processos já julgados. O assunto ganhou força após o Supremo Tribunal Federal (STF) rever a decisão e exigir o julgamento de todos os recursos antes da prisão.

Trad diz não é apenas a questão penal em jogo e que representantes do Judiciário alertaram que os sistemas dos tribunais “entrarão em colapso” se todos os processos, inclusive os já julgados, forem revistos. Além disso, empresários procuraram a comissão preocupados com os reflexos econômicos em questões trabalhistas e tributárias.

Antes refratário a essa proposta, o representante do Novo na comissão, deputado Gilson Marques (SC), disse que reavaliou sua posição após o ex-ministro do STF Cezar Peluso falar contra a retroatividade e ao perceber uma maioria já formada na Câmara. “Sou um dos poucos na comissão a favor da retroatividade, que é a posição do ministro [da Justiça] Sergio Moro. Era o ideal, mas a política é a arte do possível e não vamos ficar contra algo muito positivo só por causa de um ponto que não concordamos”, disse.

No campo oposto ideologicamente, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) também é favorável a restringir a PEC. “Tenho que ser legalista, a lei não pode retroagir para prejudicar. E essa tese deixa de fulanizar a PEC. Se alguém acusava que era para prejudicar A, B ou C, isso não existe mais”, afirmou, defendendo a votação após a análise dos projetos de combate ao coronavírus.

Outra decisão de Trad é que a PEC será aplicada para todas as áreas do direito e afetará julgamentos de questões tributárias, trabalhistas, militares, eleitorais e cíveis. A única diferença para os processos penais é que, se a pessoa for inocentada na primeira instância e condenada na segunda, haverá um “procedimento simplificado” para que os recursos sejam aceitos pelas cortes superiores e a prisão suspensa. Nos demais casos, decisões divergentes não impedirão a execução da sentença de segunda instância.

O relator promete apresentar seu parecer em duas semanas, conversar com todos os integrantes da comissão e levar o assunto para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Se tiver consenso, acho que o presidente Maia dá ok para votarmos pelo sistema eletrônico. Se não tiver, paciência, teremos que esperar o fim da quarentena”, comentou.

Embora o texto esteja mais próximo do que seu partido negociava nos bastidores, o deputado José Guimarães (PT-CE), líder da oposição na Câmara e integrante da comissão, criticou retomar o debate. “Está fora de hora. Foco nosso é o combate ao coronavírus e ponto final”, disse.

O presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), também acha difícil votar agora. “Vamos disponibilizar o parecer e conversar com os deputados. Tem um sentimento majoritário de aprovação, mas não sei se conseguimos construir um consenso quando a cabeça de todo mundo está em outra coisa”, avaliou.