O Globo, n. 32504, 04/08/2022. Opinião, p. 2

Gasto público tem de ser revisto

Venilton Tadini
Roberto Guimarães


De 2010 a 2021, as receitas do governo federal aumentaram 14%. O resultado até poderia ser considerado bom se as despesas não tivessem subido 23%. Esses dados, que não incluem os valores de amortização e de emissão de dívida, não poderiam ser mais cristalinos. São a prova de que o déficit público, já elevado em 2010, aumentou — e muito.

Isso não aconteceu da noite para o dia. As despesas começaram a descolar das receitas em 2013, estimuladas pelo incremento dos benefícios previdenciários e assistenciais, do pagamento de juros e das despesas com pessoal e custeio da máquina pública. Esses números são públicos e estão disponíveis nas prestações de contas do Tesouro Nacional.

Os investimentos em infraestrutura ficaram fora dessa gastança. Eles vêm caindo de forma contínua desde 2010, quando alcançaram R$ 61 bilhões, até ficar em apenas R$ 22 bilhões em 2021

Essa redução aponta para um quadro estrutural assustador. O setor público como um todo não está sendo capaz, sequer, de manter os ativos existentes. Estudos demonstram que a relação entre os investimentos públicos, descontada a depreciação, e o PIB também está encolhendo. Saiu de 1,5% em 2010 e chegou ao valor negativo de 0,4% em 2021.

Em 2021, 37% das despesas do governo federal foram destinadas a pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais. Os juros da dívida foram responsáveis por 21% das despesas, e as transferências aos estados e municípios por 20%. O pagamento do pessoal da ativa representou 16%, e outras despesas consumiram mais 5%.

E os investimentos? Em 2010, eles representaram 3% das despesas federais. No ano passado foram reduzidos a mero 0,8%. Mantida essa toada, não demorará o dia em que 100% do Orçamento da União estará comprometido com o custeio, nada restando para os investimentos públicos em infraestrutura, sobretudo para os ativos cuja matriz de risco e rentabilidade não atrai o capital privado e que precisam de manutenção. Se nada for feito, os investimentos serão reduzidos a um traço na contabilidade pública.

É necessário corrigir essa distorção, num quadro em que seria temerário falar em elevação da carga tributária, estando as receitas dentro da média do período. Embora haja espaço para o crescimento das receitas originárias das concessões de serviços de infraestrutura e dos dividendos pagos pelas empresas estatais, esses recursos não são considerados recorrentes. Portanto não devem ser usados para pagamento de despesas correntes.

Com a falta de entendimento político entre os três Poderes da República nos últimos anos, os governos foram incapazes de melhorar a qualidade das despesas. Também não promoveram as reformas estruturantes que ajudariam a conter os gastos correntes e a adequá-los ao sistema pouco racional de teto implantado em 2016.

Desde então, todas as tentativas de ajuste fiscal pecaram por preservar as despesas correntes e podar os investimentos — que estimulam o desenvolvimento e geram retornos sociais e econômicos, mas não estão sob a proteção de qualquer norma que os torne obrigatórios. Ao contrário, são os primeiros a encolher quando o governo cria alguma nova despesa, como o fundo eleitoral ou o auxílio aos caminhoneiros embutido na “PEC Kamikaze”.

Da mesma forma que o país avançou na desestatização e amadureceu nas concessões e de parcerias público-privadas, é preciso uma ruptura na composição do gasto público. O caminho para isso são as reformas administrativa e tributária, capazes de reduzir as despesas correntes e a renúncia fiscal; de aumentar os investimentos públicos, contribuir para melhorar o ambiente de negócios e estimular o investimento privado, no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento de médio e longo prazos.