O Globo, n. 32503, 03/08/2022. Brasil, p. 10

Garimpo ile­gal na Ama­zô­nia tem 362 pis­tas de pouso

Manuela Andreoni
Blacki Migliozzi
Pablo Robles
Denise Lu


Um exame de milhares de fotos de satélite feitas a partir de 2016 identificou 1.269 pistas de pouso não registradas em toda a Amazônia no ano passado. Pelo menos 362 estão em áreas de mineração ilegal. Cerca de 60% dessas pistas ilegais estão em terras indígenas.

A falta de condições de fiscalização preocupa tanto quanto a defesa do garimpo feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que resultou no afrouxamento de normas para combater a atividade. De 2010 a 2020, a mineração ilegal em terras indígenas cresceu quase 500%, e 300% em terras de conservação, de acordo com o Mapbiomas, projeto de organizações sem fins lucrativos e instituições acadêmicas com foco no clima.

Todos os anos, os militares fazem prisões e confiscam armas, equipamentos de mineração e aviões. Ainda assim, promotores e policiais dizem que pouco foi feito para lidar com o aumento do tráfego aéreo ilegal. A Polícia Federal tem um único helicóptero de transporte para todo o país. Os militares muitas vezes se recusam a apoiar as operações contra o garimpo, a menos que agências com orçamentos apertados paguem grandes valores para usar seus aparelhos, segundo agentes da PF.

“O Exército reconhece que a integridade da fronteira se apresenta como um desafio para o Estado brasileiro, em particular para as forças de segurança”, disse a corporação, por e-mail. A Força Aérea Brasileira não respondeu aos pedidos de comentários.

Transponder desligado

O delegado Paulo Teixeira, que supervisiona as investigações da PF de crimes contra comunidades indígenas, disse que a polícia tem pouco conhecimento de como os militares controlam o tráfego aéreo ilegal.

— As ações para controlar o espaço aéreo tornariam as coisas mais fáceis — afirma.

Segundo investigações da PF, de agentes de instituições ambientais e do Ministério Público Federal, aviões e helicópteros com licenças revogadas voam para garimpos com seus transponders (equipamento que faz o aparelho ser detectado pelo radar) desligados, frequentemente cruzando a fronteira com a Venezuela.

Uma complicação potencial para a fiscalização é uma nova regra que eliminou a exigência de autorização do governo para pistas de pouso serem construídas em terras desprotegidas. Elas ainda precisam ser registradas para operar, mas críticos dizem que a norma enfraquece a vigilância porque os inspetores não podem mais emitir multas pela existência da pista. Devem provar que as não registradas estão sendo usadas.

Presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, Juliano Noman argumenta que a remoção da exigência agilizou o registro e não alimentou atividades criminosas. Uma seção de terra limpa não pode ser confirmada como uma pista de pouso, a menos que o tráfego aéreo seja detectado, diz ele. A agência, sustenta Noman, está impedindo com sucesso o tráfego aéreo ilegal.

— Não há nada na aviação que facilite o garimpo ilegal — sustenta, acrescentando que os criminosos sempre encontrarão maneiras de transportar seus produtos, o que não é responsabilidade da Anac combater.

Em uma investigação no ano passado sobre mineração ilegal em terras ianomâmi, o Ibama e a Polícia Federal apreenderam dezenas de aviões e helicópteros. A única distribuidora de combustível de aviação no estado de Roraima foi multada por vender para compradores não cadastrados, que administravam postos de gasolina improvisados, e ainda é investigada.

Investigado quer voto

Piloto e empresário de aviação, Rodrigo Martins de Mello é um dos beneficiados por regulamentos enfraquecidos no governo Bolsonaro. Também é investigado pelo Ministério Público Federal. Mello se juntou ao PL, partido de Bolsonaro, e quer se eleger deputado federal, para representar os garimpeiros. Ele também coordena um movimento em Roraima para afrouxar as regulamentações sobre a mineração. Mello diz que seu principal projeto é construir cooperativas em todo o estado para os garimpeiros.

— O mais importante é nos livramos da opressão contra o garimpeiro. Queremos nossa liberdade, nossa paz para trabalhar — discursou Mello em um protesto que organizou em Boa Vista em maio, contra uma visita de uma comissão de senadores que foi a Roraima investigar o garimpo ilegal.