Correio Braziliense, n. 21842, 04/01/2023. Política, p. 3

Comoção na partida do eterno 10

Danilo Queiroz


Ao longo da carreira e da vida, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, destinou o dom imensurável com a bola nos pés, principalmente, para dar alegria ao povo. Nos mais de 21 anos de carreira do ex-jogador — morto, aos 82, na última quinta-feira, em decorrência de complicações provocadas por um câncer —, incontáveis estádios ao redor do Brasil e do mundo viveram a rotina de ficarem abarrotados de súditos ávidos para verem o Atleta do Século desfilar sua arte. Ao longo do velório de 24 horas, realizado entre segunda-feira e ontem no centro do gramado da Vila Belmiro, onde o astro tanto brilhou, mais de 230 mil prestaram a última reverência ao Rei do Futebol.

O número oficial consolidado foi divulgado, ontem, pela assessoria de imprensa do Santos. Proporcionalmente, o contingente representa mais da metade da população da cidade mais marcante da carreira de Pelé: 433 mil pessoas, segundo o Censo de 2020. A despedida reuniu as mais diversas gerações de fãs. Muitos tiveram a honra de ver Pelé em ação nos gramados. E se emocionaram resgatando lembranças. “Vi o Pelé jogar duas vezes. Já chorei um monte. Para a minha geração, ele fez parte do nosso imaginário e da nossa educação, como matemática, português, história... Fazer gol como Pelé, vibrar como Pelé. ‘Faça como o Pelé’, falava meu pai”, lembrou o professor Francisco Paulo, que saiu de Curitiba nas férias escolares para se despedir.

Os mais novos, ainda conhecendo a magia em torno da trajetória icônica do Rei do Futebol, alimentam a lenda do maior jogador de todos os tempos a partir do que ouviram de familiares e viram no vasto acervo de registros históricos deixado pelo camisa 10. Assim, criam uma opinião própria do legado. “Pelé foi um grande jogador, me inspiro muito nele. Quero fazer história também no Santos, como o Rei. Futebol é tudo para mim. Sem ele não seria nada”, ressaltou o jovem Pablo, de 11 anos. O garoto atua no time sub-11 do alvinegro praiano e tem justamente o Atleta do Século como espelho para os sonhos no esporte.

Nas 24 horas de velório, a maioria dos torcedores enfrentou filas quilométricas ao longo dos quarteirões santistas para se aproximar do corpo de Pelé. Durante as primeiras horas do dia, nem mesmo o sol forte de Santos, de cerca de 30ºC, foi um impeditivo em meio à oportunidade de despedir-se. À noite, a madrugada de temperatura mais amena também não afastou os fãs. Em nenhum momento, os portões 2 e 3 da Vila Belmiro, por onde era organizada a entrada, ficaram vazios. Nos momentos mais movimentados, o tempo para chegar ao centro do gramado da Vila Belmiro durava, em média, duas horas. Vencida à espera, os súditos tinham poucos segundos próximos ao caixão do Rei do Futebol.

Maioria, os torcedores do Santos se revezavam para tremular bandeirões com fotos e frases de Pelé em forma de tributo. A tristeza em torno do adeus uniu, ainda, várias cores e rivalidades. Camisas de outros clubes, como Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Flamengo, Vasco da Gama e Cruzeiro, se misturavam em meio às filas de espera da despedida. “O Rei merece todas as nossas homenagens. A cidade também. Sou santista desde pequena. A porta que o Pelé abriu no esporte não tem palavras para explicar. Ele foi uma ótima pessoa. Vida pessoal dele era o Edson Arantes do Nascimento. Mas, para o Pelé, eu tinha de vir aqui e prestar uma homenagem”, garantiu a alvinegra Heloísa Nunes.

Nas últimas horas da manhã de ontem, com a proximidade do encerramento do velório, o fluxo de torcedores ficou ainda mais intenso nos arredores da Vila Belmiro. O relógio já rompia a barreira das 10h, horário limite programado para a despedida pública, quando o último torcedor foi autorizado a entrar. Após as milhares de homenagens do povo, o caixão com o corpo de Pelé deixou a tenda central erguida no estádio às 10h15. A urna foi levada a um caminhão do Corpo de Bombeiros e, pelo portão 4, o Rei do Futebol deixou o local onde tanto brilhou pela última vez, às 10h25, sob aplausos. Gesto tão costumeiro sempre que ele entrou no gramado com a camisa 10 do Santos.