Correio Braziliense, n. 21843, 05/01/2023. Política, p. 4

Lula convoca primeiro escalão

Victor Correia


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou para amanhã a primeira reunião ministerial de seu governo, com a presença esperada dos 37 ocupantes da Esplanada dos Ministérios. O convite ocorre em meio a um desencontro entre as falas dos chefes das pastas durante a semana, pontuada pelas posses do primeiro escalão. O objetivo é alinhar e propor organização e unificação na comunicação palaciana.

A reunião está marcada para às 9h30 de amanhã, no Palácio do Planalto. Lula dará a orientação de que todas as medidas devem passar pelo crivo da Presidência da República antes de serem anunciadas. A convocação ocorreu no dia seguinte a uma fala do chefe da Previdência, Carlos Lupi, que anunciou uma revisão da reforma da Previdência, de 2019. O discurso gerou apreensão em grandes investidores, e o índice Ibovespa fechou o dia com queda de 2%.

Na terça, ao assumir a pasta, Lupi defendeu que criará uma comissão quadripartite para analisar a “antirreforma”, como classificou. O ministro defendeu, também, que toda arrecadação direcionada pela Constituição à Previdência esteja no balanço previdenciário, “o que não é favor nenhum”.

“Quando, corretamente, os constituintes de 1988 criaram a proteção do BPC (Benefício de Prestação Continuada), principalmente para os nossos companheiros portadores de necessidades especiais, isso acarretou em um encargo de R$ 10 bilhões que são do Tesouro da União”, discursou Lupi. “E colocam esse encargo na Previdência para dizer que ela é deficitária. A Previdência não é deficitária. Vou provar isso a cada dia, vou provar isso com números”, acrescentou.

Na manhã de ontem, o presidente reuniu-se com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, para tratar do encontro e da nova orientação aos ministros. “Nenhuma revisão. Sexta-feira o presidente Lula já marcou a primeira reunião ministerial, para, inclusive, organizar e reafirmar. E ele acabou de me dizer, eu estava em reunião com ele, que qualquer proposta só será encaminhada, é evidente, depois da aprovação do presidente da República”, respondeu o ministro à imprensa durante a posse do vice-presidente, Geraldo Alckmin, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

“Não tem qualquer proposta. (Lula) disse que eu podia explicitar que qualquer medida passará necessariamente pela Casa Civil antes de sua análise. Então não há proposta a ser analisada, pensada, neste momento, para a revisão de reformas. Seja a previdenciária, seja outra. Neste momento, não existe nada sendo elaborado”, disse ainda o ministro. Questionado sobre a fala de Lupi, Costa reiterou: “eu sei que todo mundo tem direito a opinião. Mas, neste momento, não há nenhuma proposta de reforma da Previdência”.

Desencontros

O chefe da Casa Civil também ironizou o desencontro entre presidente e ministros. “As energias estão lá em cima. É um momento de posse, de alegria, de entusiasmo”, frisou.

A fala de Lupi foi a mais recente, mas há dissonância entre diversas pastas do novo governo, que abrigam representantes de diferentes espectros políticos. O ministro da Justiça, Flávio Dino, e o da Defesa, José Múcio, por exemplo, discordam sobre as manifestações golpistas dos apoiadores de Bolsonaro. Múcio declarou, durante a semana, que os acampamentos são democráticos e “vão se esvair”. Já Dino prometeu duras ações contra os manifestantes que defendem intervenção das Forças Armadas e anunciou que os casos serão investigados na esfera Federal.

Também causou problemas os passos para trás dados por alguns membros do governo. O chefe da Fazenda, Fernando Haddad, teve que desistir da prorrogação da isenção de impostos federais sobre combustíveis por ordem de Lula. A medida foi acertada por Haddad com o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, poucos dias antes do novo governo assumir. A queda de arrecadação causada pela medida, porém, foi mal vista e o novo presidente decidiu repensar a taxação dos combustíveis após assumir.

Outro tema que deve ser tratado por Lula no encontro com o primeiro escalão é a suposta ligação da ministra do Turismo, Daniela do Waguinho, com o miliciano Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado a 22 anos de prisão por homicídio. Jura esteve envolvido na campanha de Daniela à Câmara dos Deputados, em 2018, após sua condenação, em 2009. À época, a então deputada defendeu que o apoio político dado pelo miliciano não significa que ela compactue por eventuais crimes cometidos. A ex-deputada federal foi indicada ao ministério pelo seu partido, o União Brasil.

Questionado ontem sobre o caso, Rui Costa respondeu que a pauta não causa desconforto. “Até aqui, nenhuma repercussão, nenhuma materialidade concreta sobre nada que crie nenhum tipo de desconforto até o momento. Se surgirem coisas novas, aí é outra história”, declarou o ministro da Casa Civil.

Na sexta, ao conversar com todo o ministeriado, Lula espera puxar um freio de arrumação e controlar a narrativa das medidas que planeja em seu governo.