Valor Econômico, v. 20, n. 4973, 02/04/2020. Legislação &
Tributos, p. E1
Sindicatos incluem termo de quitação de obrigações trabalhistas em
acordos
Adriana Aguiar
Sindicatos passaram a prever nas convenções coletivas o chamado termo de
quitação anual de obrigações trabalhistas. O instrumento foi criado pela
reforma (Lei nº 13.467, de 2017) para proteger as empresas de processos. Porém,
a Justiça do Trabalho, nas poucas decisões sobre o assunto, não tem aceitado a
medida.
Existem
cláusulas em convenções coletivas dos setores de locação de veículos e de
asseio e conservação do Estado de São Paulo, de instituições beneficentes e
religiosas da Bahia, de asseio e conservação do Ceará e de farmácias de
Rondônia. O instrumento é pouco utilizado, segundo advogados, porque há grandes
chances de o Judiciário anular o
O
termo de quitação anual está previsto no artigo 507-B da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT). Segundo o dispositivo, “é facultado a empregados e
empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de
quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados
da categoria”. No parágrafo único, a norma acrescenta que “o termo
discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará
a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas
nele especificadas”.
Em
algumas convenções coletivas, há certas particularidades. Na estabelecida pelo
Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo
(Seac-SP) e pela Federação dos Trabalhadores em Serviços, Asseio e Conservação
Ambiental e Urbana e Áreas Verdes no Estado de São Paulo (Femaco), foi
estabelecida uma comissão específica para deliberar sobre as regras.
Segundo
o diretor do Seac-SP, Bruno Galvão, as entidades estão aperfeiçoando a
ferramenta. “Só foram realizadas [quitações] em ambiente teste, ainda sem valor
legal”, diz. Para ele, o desafio é tornar a ferramenta mais simples, de baixo
custo e que possa ser utilizada em escala, sem que tome muito tempo tanto dos
recursos humanos das empresas quanto dos responsáveis pela verificação das
verbas.
O
objetivo, acrescenta, é buscar sempre mais transparência e gerar tranquilidade
ao trabalhador, uma vez que a quitação só poderá ser concretizada se todas as
verbas estiverem de acordo com a legislação e se houver concordância do
funcionário. Para ele, existe a expectativa de que a Justiça siga o que foi
aprovado pela reforma. “Caberá então às partes trabalhar com toda
transparência e providenciar uma engrenagem que transmita credibilidade”,
afirma.
Na
convenção coletiva firmada pelo setor de asseio e conservação do Ceará,
referente a 2020 e 2021, foi criada uma tabela de valores para análise dos
termos pelo sindicato dos trabalhadores. Entre um e cem, será cobrado 70
por termo. Entre 101 e 200, R$ 60. Acima de 201, R$ 50. De acordo com o texto,
“fica vedado o desconto pelos empregadores de qualquer valor do trabalhador
para fins de emissão do termo de quitação anual”.
O
Sindicato dos Trabalhadores em Drogarias do Município de Porto Velho e o
Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Rondônia
também firmaram cláusula semelhante na Convenção Coletiva de 2019 a 2021. No
caso, porém, estabelece que o empregado fica obrigado a assinar o termo de
quitação anual, a ser homologado perante o sindicato laboral, mediante o
pagamento pela empresa de R$ 30.
Para
o advogado Jurandir Zangari Junior, do Zangari Advogados, “o intuito do
legislador foi trazer maior segurança jurídica, garantido a eficácia
liberatória para as verbas pagas no decorrer do contrato, assim como diminuir a
litigiosidade”. A solução, acrescenta, para as empresas, que terão
maior segurança jurídica, como para os empregados, que terão a possibilidade de
ter uma questão trabalhista resolvida de forma mais célere. Além de ser
vantajosa para os sindicatos profissionais, que poderão arrecadar com a
homologação dos termos.
Hoje,
porém, a ferramenta, de acordo com ele, tem sido pouco utilizada. “Um
estudo da Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] apurou que
aproximadamente 3% das normas coletivas estabeleceram cláusulas nesse sentido
em diversos segmentos, principalmente, nos que apresentam alta rotatividade.
Portanto, com potencial litigiosidade maior.”
As
poucas decisões existentes no Judiciário, contudo, têm restringido o uso
desses termos, com fundamentação no princípio da inafastabilidade da
jurisdição. A juíza Marcela Cavalcanti Ribeiro, da 2ª Vara do Trabalho de
Carapicuíba (SP), considerou válido o termo firmado entre um ex-empregado e uma
empresa de ônibus. Porém, para ela, “não produz os efeitos pretendidos na
contestação, sendo apto a atestar exclusivamente o pagamento das parcelas
nele expressamente descritas, observado o montante consignado e efetivamente
adimplido” (processo nº 1000885-37.2019.5.02.0232).
De
acordo com a magistrada, a imposição da garantia constitucional da
inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da
Constituição), “impede qualquer interpretação da legislação
infraconstitucional capaz de restringir o acesso à Justiça ou de inviabilizar
que eventuais diferenças ou incorreções sejam questionadas ao Poder Judiciário
pelo cidadão”.
Para
ela, “não há óbice, portanto, à apreciação do mérito da demanda, mesmo com
relação a direitos objeto dos termos de quitação anual, assegurada,
evidentemente, a dedução dos valores já quitados sob a mesma rubrica.”
Apesar
da boa intenção do legislador, afirma o advogado trabalhista Daniel Chiode, do
Chiode Minicucci Advogados, o instrumento te pouco usado porque a Justiça
não leva muito a sério as soluções extrajudiciais. “Parte dos juízes ainda
pressupõem que os trabalhadores, mesmo assistidos pelo sindicato, não têm
capacidade para negociar. Acham que o trabalhador de 1943 [ano em que a CLT
entrou em vigor] é o mesmo de 2020”.
Para
a advogada Fabíola Marques, do Abud Marques Sociedade de Advogadas, esses
termos até fariam sentido para funcionários que recebem mais do que o dobro do
teto da Previdência Social (cerca de R$ 12 mil), mas não para todos os
trabalhadores. “A chance de declaração de nulidade na Justiça é bem grande.”