Título: Brasil, pobre e menos desigual
Autor: Sabrina Lorenzi e Ricardo Rego Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 26/11/2005, Economia & Negócios, p. A17

A renda do trabalhador brasileiro parou de cair pela primeira vez em sete anos, mas a classe média continuou perdendo. Os dados constam da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), referente a 2004, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O bolo não encolheu, mas permaneceu estagnado.

Segundo apurou o IBGE, a população ocupada cresceu 3,3%, mas os rendimentos permaneceram estáveis em R$ 730, mesmo com o crescimento de 4,9% da economia brasileira em 2004. Mas o país está menos desigual. No ano passado, o Brasil atingiu a melhor posição dos últimos 23 anos no quesito distribuição de renda - no termo técnico, Índice de Gini -, aos 0,559. Quanto mais perto de zero, melhor.

- Em um país em que praticamente nunca houve distribuição de renda, a redução da concentração é expressiva se comparada aos anos mais recentes e mais ainda acentuada se toda a série histórica for considerada - constata o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Estudos Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), ao acrescentar que, na década de 60, os brasileiros viveram um acirramento dos contrastes entre ricos e pobres. - Mesmo assim, sendo muito grande, a queda da concentração de renda em 2004 ainda está subestimada pelo IBGE - acrescenta.

Porém, apesar da aparente boa notícia, especialistas advertem que o Brasil continua não só com uma das piores distribuições de renda do mundo, como também tem sido incapaz de gerar os chamados empregos qualificados.

Tal dificuldade, segundo esses mesmos especialistas, penalizam principalmente a classe média, cujo contingente, por ironia estatística, se enquadra na parcela dos 10% mais ricos da população. Embora a parcela tenha visto encolher sua participação na renda total do país, tal queda ocorreu de forma mais acentuada entre os menos endinheirados, com rendimento médio mensal de R$ 3.266. Os que ganham mais do que isso - os 1% mais ricos - perderam menos.

Conforme verificou o IBGE, muito mais do que desconcentrar por causa das perdas dos tecnicamente mais ricos, o fenômeno da distribuição de renda foi resultado do aumento da renda dos mais pobres. De 2003 a 2004, os 50% trabalhadores mais pobres conseguiram aumento de 3,2% nos salários. No mesmo período, a média dos rendimentos ficou estacionada (em R$ 730), enquanto os 50% mais ricos sofreram perda de 0,6%.

Dedecca atribui tal fenômeno principalmente ao aumento do salário mínimo no último ano, quando passou de R$ 260 para R$ 300. Fatores que, segundo o economista, também poderiam ser responsáveis pelo aumento da renda dos mais pobres, como a atividade sindical, influenciaram de forma menos significativa no indicador.

- O crescimento de 3% a 5% (como o ocorrido no ano passado, de 4,9%) resolve o problema do emprego, mas não o da renda no país. Por isso, o crescimento terá que ser superior a 5% para que possamos beneficiar parcelas maiores da população - afirma o economista Claudio Dedecca, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp).

A tese se comprova em números. Em 2004, o nível de ocupação no país atingiu o maior patamar desde 1996. Mais da metade da população (56,3%) conseguiram colocação. Segundo o economista do Instituto de Economia Aplicada (Ipea), Marcelo D'Ávila, foi justamente o crescimento verificado no ano passado o responsável pela melhora. Mas segundo alerta o economista Manuel Thedim, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), a retração verificada em 2005 deverá se refletir no indicador e aparecerá na próxima pesquisa.